Tradução da 1ª Conferência sobre a obra de Tolkien e o catolicismo

Publicamos aqui a primeira conferência dada por um padre americano a propósito das obras de Tolkien. Como a visão sobre a catolicidade de suas obras no Brasil costuma ser benevolamente unívoca, traduzimos essa conferência que parece nos trazer uma análise mais objetiva.

O áudio da conferência foi publicado inicialmente no site que se chamava Audio Sancto e que publicava sermões e conferências de padres atrelados à Missa Tridentina e em situação canônica regular. O nome do sacerdote não era divulgado, de modo a manter-se discreto e a não prejudicar o seu labor apostólico específico. A transcrição da conferência se encontra aqui no original inglês: https://rorate-caeli.blogspot.com/2014/02/the-fantasy-writing-of-tolkien-was.html

A conferência suscitou uma grande reação, provavelmente mais veemente do que a publicação de um texto heterodoxo, provando que o sacerdote tem, no mínimo, uma certa razão em suas críticas. Os argumentos são interessantes e merecem ser levados em conta.

Salve Maria!

1ª Conferência

São Paulo escreveu para São Timóteo (2Tim 3, 1 e 4, 1-4): “Sabe, porém, que nos últimos dias sobrevirão tempos perigosos […] Conjuro-te diante de Deus e de Jesus Cristo, que há-de julgar os vivos e os mortos, pela sua vinda e pelo seu reino: prega a palavra, insiste a tempo e fora de tempo, repreende, corrige, admoesta com toda a paciência e doutrina, porque virá tempo em que (muitos) não suportarão a sã doutrina, mas acumularão mestres em volta de ei, ao sabor das suas paixões, (levados) pelo prurido de ouvir. Afastarão os ouvidos da verdade e os aplicarão as fabulas. Tu, porém, vigia sobre todas as coisas, suporta os trabalhos, cumpre o teu ministério.”

Gostaria de começar essa conferência com um pedido de desculpas. Em primeiro lugar, peço desculpas pelo fato de que aquilo que apresento hoje sobre literatura fantástica, mitos e Gnosticismo venha tão tardiamente. Parece-me que a maior parte dessa informação deveria ter se tronado conhecida bem antes… e em instâncias com maior autoridade.

Em segundo lugar, o que apresento pode não ser fácil de ouvir para alguns. Muitos e muitos católicos bons e bem intencionados amam as obras de Tolkien e de C.S. Lewis… a tal ponto que esse assunto tornou-se uma espécie de tabu (vaca sagrada). Como resultado, é triste dizer, muitos desses católicos bem intencionados estão mais preparados para defender essas obras da literatura moderna do que para defender a Sagrada Escritura ou os dogmas da Igreja. Tal reação é sempre um sinal de que algo está errado.

Em terceiro lugar, estou falando a partir de minha própria experiência nessa área, dado que eu mesmo fui, durante muitos anos, muito cativado pelas obras de literatura fantástica de Lewis e de Tolkien. Era meu hábito, por mais de uma década, ler ou ouvir O Hobbit ou O Senhor dos Anéis ao menos uma vez por ano. Eu ouvi todas as versões… a versão não abreviada, as versões dramatizadas da BBC e outras produções americanas. Ouvi tudo o que tinha disponível. Também ouvi o Silmarillion do Tolkien duas vezes. Somente depois que um padre amigo começou a me alertar por um certo tempo é que eu finalmente iniciei a ver as coisas mais de perto e a discernir os espíritos. Na época em que essa conversão ocorreu, eu exercia o ministério com irmãs de clausura e procurava rezar o tanto quanto elas. Esse tempo de silêncio e os longos períodos de meditação permitiram-me discernir muitas coisas… como Santo Inácio fez há muito tempo. Refletindo sobre os conselhos do Padre e percebendo os maus efeitos de minha audição anual de O Senhor dos Anéis, finalmente tive a força e a coragem para destruir meus áudios da série do Tolkien. Como resultado, quase imediatamente, tive uma graça especial, confirmando a minha decisão. Eu estava livre. Desde então, encontrei outras almas confiáveis e fiéis (entre elas, alguns padres) que tinham experimentado a mesma coisa. Dessa forma, eu sabia que estava no caminho certo. Mas por quê?

É isso que espero revelar agora. Todavia, para fazer isso bem, comecemos com um pequeno esclarecimento. Não estou aqui para condenar J.R.R. Tolkien nem aqueles que, segundo posso auferir, estão enganados ao promover suas obras como autenticamente católicas… e aqui refiro-me especialmente ao bem intencionado sr. Joseph Pearce. Para preparar essa conferência, ouvi o seu curso em oito partes sobre O Senhor dos Anéis, bem como outras palestras e entrevistas que ele deu sobre o assunto. Também vi vários de seus livros e artigos sobre o assunto. Eu devo-lhe muito no meu melhor entendimento do Tolkien. No entanto, ao mesmo tempo, estou aqui para cumprir meu dever de sacerdote da Santa Igreja Católica Romana… cuja responsabilidade é ser vigilante na proteção dos fiéis quanto ao que é potencialmente perigoso, quanto ao que é fábula e não a são doutrina.

Como diz São Paulo… esses são tempos perigosos. Isso significa que pessoas boas podem ser enganadas muito facilmente. Há uma revolução em curso e ela alcançou, agora, os mais altos níveis na história. Estamos até o pescoço em águas tóxicas. Quão fácil é ingerir um pouco dessa água e ficar intoxicado… tornar-se cativo disso. Considerem-se alguns poucos exemplos. Eu aprecio bastante o físico e escritor católico, Dr. Wolfgang Smith. Ele escreveu um excelente tratado (publicado por TAN Books) desmascarando Teilhard de Chardin e a sua nova religião da evolução. Ele também escreveu muitos artigos profundos sobre a ciência contemporânea considerada sob a luz da tradição, alguns deles reunidos em um volume intitulado The Wisdom of Ancient Cosmology. E, no entanto, nesse livro, ele tem uma seção em que discute a teosofia germânica e um homem chamado Jacob Boehme, que teria recebido revelações místicas sobre o universo. Essas duas coisas são ocultistas, a teosofia e o autor. Elas estão fora das fronteiras seguras da Igreja. Claramente, ele caiu em uma armadilha considerando essas coisas como fontes seguras. Esses são tempos perigosos.

Outro exemplo. Talvez, tenham ouvido falar do autor Louis de Wohl. Ele escreveu muitas novelas históricas sobre a vida dos santos e várias personagens históricas… Rei Davi, São Paulo, Constantino, São Bento, São Tomás, São Francisco de Assis, Santa Catarina e muitos outros. E, no entanto, ele era um astrólogo confesso, tendo escrito um livro que defende a astrologia nos anos 30, chamado Secret Service of the Sky. Ele intitulou a sua autobiografia de I follow my stars (Eu sigo minhas estrelas). De Wohl trabalhou para o MI5 (serviço secreto inglês) durante a segunda guerra usando a astrologia. Ele também escreveu uma novela sobre o combate espiritual entre um “astrólogo católico” e uma espécie de bruxa semelhante ao anticristo intitulada Stange Daughter… ele era o astrólogo da estória. Bom homem… mas voltando-se para locais inseguros. Santo Agostinho, que chegou a resvalar na astrologia antes de sua conversão, glorificou a sábia e bondosa Providência de Deus como oposta às noções fatalistas da astrologia. E, no entanto, com o reavivamento do oculto no século XIX, a astrologia voltou… Esses são tempos perigosos. Para condenar essas ideias revolucionárias, o Concílio Vaticano I repetiu o ensinamento de que Deus, por meio de Sua Providência, protege e guia tudo o que criou. A Igreja sempre rejeitou a astrologia enquanto promoveu a confiança e o abandono à Providência Divina.

Outro exemplo: Karol Wojtyla (Papa João Paulo II). Quando jovem, ele costumava atuar no Teatro Rapsódico de Kotlarczyk. Kotlarczyk focava no “mistério da palavra entoada”, trabalhando primariamente com a mecânica da voz, a emoção e a expressão. Mais tarde, ele escreveu um livro chamado Art of the Living Word (1975), no qual ele abertamente discute as contribuições da magia e do arcano – palavra que significa esotérico ou secretamente escondido. Pensem sobre isso. O que fazem os ocultistas a não ser pronunciar palavras que parecem causar algo que acontece? Especial destaque merece o fato de que entre as muitas obras arcanas de que trata Kotlarczyk encontram-se as obras da famosa ocultista e fundadora da Teosofia, Madame Helena Petrvno Blavatsky (falecida em 1891). E, no entanto, o Cardeal Wojtyla escreveu um prefácio para essa obra de Kotlarczyk. Mais uma vez, vemos o que parecem ser pessoas bem intencionadas, mas procurando coisas em lugares errados… Esses são tempos perigosos.

Um último exemplo. Uma vez, visitando a capela de uma casa religiosa no Midwest (meio-oeste dos Estados Unidos), fiquei impressionado com a beleza do altar-mor e do baldaquino em mármore italiano coberto com mosaicos. E, no entanto, foi-me mostrado (sem sombra de dúvida) que a coisa toda era, em realidade, uma obra de arte rosa-cruz, maçônica (provado por vários peritos e exorcistas)… Ficou muito claro para mim o quanto esses tempos são perigosos. À primeira vista, parecia bem católico, mas olhando com mais cuidado, não era nada católico. Tempos perigosos. Tempos perigosos.

E esses são apenas alguns poucos exemplos de quão facilmente podemos ser enganados com o que parece ser bom inicialmente, mas que, na verdade, olhando com mais cuidado, é contrário e tóxico para a nossa fé… é ofensivo a Deus e à sua Igreja.

Comecemos nossa exposição sobre a literatura fantástica fazendo o que São Paulo disse, isto é, usando a doutrina (a regra da fé) para fazer as devidas correções. “Prega a palavra, insiste a tempo e fora de tempo, repreende, corrige, admoesta com toda a paciência e doutrina, porque virá tempo em que (muitos) não suportarão a sã doutrina.” O que é a Palavra senão a Palavra de Deus, a Revelação Divina? Nessa Palavra, nessa Revelação está contido tudo o que é necessário para que sejamos santificados e salvos nessa vida. É a fonte de toda a felicidade e paz para a nossa alma. Essa Revelação, essa Palavra só pode ser encontrada no Depósito da Fé da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Então, devemos começar aqui, sempre devemos recorrer às doutrinas de nossa fé santa e infalível para sobreviver a esses tempos perigosos.

Não é de surpreender que Santo Inácio ensine algo semelhante na primeira de suas “Regras para Sentir com a Igreja”, a saber, “Renunciando a todo juízo próprio, devemos estar dispostos e prontos a obedecer em tudo à verdadeira esposa de Cristo Nosso Senhor, isto é, à santa Igreja hierárquica, nossa mãe.” Assim, se encontramos algum autor contradizendo doutrinas da Igreja, sabemos que temos um problema. O bem integral da obra perdeu-se e só pode ser aproximada com grande cuidado e atenção, se é que não deve ser completamente rejeitada como prejudicial à fé. Ainda que achemos a obra agradável, fascinante, cativante e estimulante, devemos colocar de lado nosso próprio juízo e nossas emoções para nos conformar à nossa Santa Madre Igreja e para viver da fé.

Voltando-nos para o nosso tema de hoje, é bem estabelecido que J.R.R. Tolkien, um filólogo, isto é, alguém que estuda palavras e línguas, apreciava pesquisar e conhecer mitologia, sobretudo a do norte da Europa. Como resultado, ele desenvolveu uma espécie de “filosofia do mito” enquanto rejeitava a alegoria, dizendo: “Eu cordialmente desgosto da alegoria em todas as suas manifestações”. Ele criticava C.S. Lewis pelas suas alegorias muito transparentes e resistia a todas as tentativas de tornar suas próprias obras alegóricas. Aqui, já temos um problema, pois Deus ama a alegoria. Ele colocou alegorias na Sagrada Escritura como São Paulo explica aos Gálatas. Assim, uma das principais formas de interpretar a Sagrada Escritura em algumas passagens é pelo chamado sentido alegórico.  Toda uma escola de pensamento no início da Igreja, a Escola de Alexandria, contribuiu em muito para a interpretação das Escrituras em seu sentido alegórico. Os Padres da Igreja, os Doutores, os Santos empregaram a alegoria para explicar a fé. Isso não é algo que deva ser menosprezado ou desprezado, independentemente de quão bem ou mal vários autores, modernos e medievais, usaram da alegoria.

Todavia, há mais. De acordo com Joseph Pearce, Tolkien pensava que o mito era um meio melhor para transmitir certas verdades mais elevadas. “Tolkien… acreditava que a mitologia era um meio de transmitir certas verdades transcendentes que são quase inexprimíveis dentro dos confins fáticos de uma narrativa realística.” Em outro lugar: “Para Tolkien, mito… era o único meio pelo qual certas verdades transcendentes poderiam ser expressas de forma inteligível” (Tolkien, Man and Myth, Pearce, p. XIII). Espero que a sirene de alarme esteja soando. Isso é o sinal de um pensamento revolucionário moderno, que ensina que somente em tempos recentes aprendemos a fazer as coisas corretamente. No caso específico, aprendemos a transmitir verdades transcendentes mais elevadas. O quê? Todos esses séculos falhamos em transmitir as verdades transcendentes de Deus em maneira realista? Isso faz algum sentido? Não!

Para ver o que estamos falando aqui, paremos um momento para considerar as milhões e milhões de pessoas que leram O Senhor dos Anéis e O Hobbit. Era algo tão popular nos anos 60 que os livreiros, especialmente aqueles nas universidades, nem se davam ao trabalho de colocar os livros nas prateleiras. Eles simplesmente empilhavam esses livros perto do caixa. Ballantine Books (editora) estima que mais de 50 milhões de pessoas tinham lido os livros até 1968 (mais de 150 milhões até 2011). Logo hobbit se tornou um modo de vida, com festas hobbit. As sociedades (inspiradas em) Tolkien surgiram. E entrou mesmo na vida religiosa. Eu ouvi falar de “hobbits em hábitos” e vi muitas fotos de religiosas como elfos ou hobbits no photoshop.

Nos anos 60, “grafites, de costa a costa (dos EUA), diziam: GANDALF PARA PRESIDENTE, VENHA PARA A TERRA MÉDIA. Um oficial boina-verde americano traduziu o livro em vietnamita e o distribuiu aos mais altos oficiais vietnamitas. Tolkien foi inundado com ofertas de fabricantes de brinquedos, produtores de filmes, executivos de televisão, todos esperando arrecadar com o sucesso do livro. Até os Beatles aproximaram-se de Tolkien para fazer um filme de O Senhor dos Anéis com John Lennon (o mais ávido leitor de Tolkien entre eles) no papel de Gollum, Paul McCartney no papel de Frodo, Ringo Star como Sam e George Harrison como Gandalf. Havia até mesmo uma Sociedade do Frodo do Bornéu do Norte. Em Londres, clubes de rock seguiram a moda, com lugares como Middle Earth e Gandalf’s Garden alimentando aspirantes a hobbits” (Turn off your mind, p. 78). Várias bandas de rock psicodélico surgiram, nomeando-se a partir das obras de Tolkien… Gandalf gravou um álbum pela Capital records em 1969; Gandalf the Grey, pela Grey Wizard Records, apareceu em 1972. Em 1970, uma banda chamada Khazad Dum – a partir de uma cidade nas minas de Moria, na Terra Média de Tolkien – lançou também um álbum (idem, p. 78, nota). Pensem sobre isso. Tudo isso sobre O Senhor dos Anéis. Milhões e milhões leram essas obras. E, no entanto, onde estão as conversões? Em vez de virem para Cristo, foram para o rock-and-roll. Se essa mitologia do Tolkien é supostamente mais eficaz para transmitir verdades mais elevadas sobre Deus, onde está o efeito? Edith Stein, que se inclinava ao ateísmo, leu a Autobiografia de Santa Teresa de Jesus em uma noite. Pela manhã, ela era católica. Alguns anos depois, ela entrou em um convento e morreu uma morte cruel pela nossa santa fé. Ela é somente um exemplo entre tantas conversões ocorridas a partir das obras de santos como Santa Teresa de Jesus. Entre os milhões de ávidos leitores de Tolkien, tem algum que veio às verdades de nossa fé por meio desses livros? Não que eu conheça. O que isso significa? Parece-me claro que esses livros, que esses mitos da Terra Média não são canais da graça. Eles não transmitem efetivamente altas verdades que convertem as almas.

Para ver como isso é verdade, foquemos nossa atenção na definição e no uso de mito. Em geral, mitos são narrações fictícias ou fábulas que procuram explicar como o mundo e a humanidade chegaram na presente forma, incluindo pessoas, ações e eventos sobrenaturais. Eles incorporam algumas ideias populares relativas à natureza e aos eventos históricos. Assim, os mitos aparecem em muitas culturas para explicar o início delas, tocando, inevitavelmente, na origem do cosmos e da humanidade, bem como em outros pontos importantes: as origens das instituições humanas, a busca do homem pela felicidade e seus sucessos e falhas em tal busca. Por exemplo, a Maçonaria baseia-se muito no mito em torno do Templo de Salomão. Historicamente, o foco particular do mito é mostrar como os deuses se relacionam com a natureza e com o homem. Entre os mitos mais famosos que nós temos, estão os mitos dos gregos, dos egípcios e dos romanos.

Quando olhamos o desenvolvimento e uso históricos dos mitos, é muito importante saber que nenhum deles remonta à Sagra Escritura. Isso porque a Bíblia não contém mitos! Só recentemente os estudiosos modernistas tentaram forçar a categoria de mito na Bíblia (mais especialmente em Gênesis 1-11 e nas pragas do Egito no Êxodo). Em outras palavras, esses “especialistas das Escrituras” tentaram dizer que os sagrados escritores da Bíblia não foram originais, mas que eles emprestaram muito dos antigos mitos de seu tempo. E, no entanto, Pio XII tratou do tema na Encíclica Humani Generis, n. 39: “… o que se inseriu na Sagrada Escritura tirado das narrações populares, de modo algum deve comparar-se com as mitologias e outras narrações de tal gênero, as quais procedem mais de uma ilimitada imaginação do que daquele amor à simplicidade e à verdade que tanto resplandece nos livros do Antigo Testamento, a tal ponto que os nossos hagiógrafos devem ser tidos neste particular como claramente superiores aos antigos escritores profanos. Note-se o que diz Pio XII: não há mitos em toda a Bíblia. O que nós encontramos nela é superior a essas formas mitológicas: “…as mitologias, as quais procedem mais de uma ilimitada imaginação do que daquele amor à simplicidade e à verdade.” O Profeta Baruc (3, 23): “… os filhos de Agar, à procura de prudência terrestre, os contadores de fábulas e os desejosos de prudência, não puderam conhecer o caminho da sabedoria, nem dela obter informações sobre suas veredas.” Em outras palavras, há muita pouca busca séria da verdade em fábulas e mitos, que estão fora da Igreja.

Em segundo lugar, devemos notar que cada vez que os Apóstolos Pedro e Paulo empregam a palavra grega mithos é com conotação pejorativa. Aqui um exemplo: São Pedro (2Ped. 1, 16-17): “Efectivamente, não foi seguindo fábulas (mithos) engenhosas que vos fizemos conhecer o poder e a vinda (no fim do mundo) de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas foi depois de termos sido espectadores da sua grandeza. De fato, ele recebeu de Deus Pai honra e glória, quando da majestosa glória desceu a Ele uma voz que dizia: “Este é o meu Filho amado, em quem pus as minhas complacências.” Cristo é o Verbo Encarnado e não tem mitos nesse Verbo! São Paulo menciona mitos quatro vezes, todas pejorativas. Ele fala para São Timóteo (2Tim 4, 4), como ouvimos no início dessa conferência, a saber quantos “afastarão os ouvidos da verdade e os aplicarão às fábulas (mithos).” Aqui um outro exemplo da epístola a São Tito (1, 14): “não deem ouvidos a fábulas (mithos) judaicas nem a mandamentos de homens que se afastam da verdade.” A Igreja e as Escrituras parecem dizer a mesma coisa… mitos, isto é, fábulas artificiais… o trabalho de uma imaginação extravagante… não são um caminho seguro para a verdade!

Agora, alguns podem objetar dizendo que há várias referências mitológicas na Bíblia. O que dizer do unicórnio mencionado pelo Rei Davi? Dos faunos mencionados por Jeremias? E o Leviatã? Quando consideramos isso com a ajuda dos Padres da Igreja e dos Doutores, vemos que o unicórnio é um rinoceronte, que o Leviatã é uma baleia ou um dinossauro, que faunos e outros semelhantes  são manifestações demoníacas. Não são seres míticos.

Em todo caso, é fácil ver porque não há mitos nas Sagradas Escrituras. Porque nós temos a coisa verdadeira. Deus, nosso Pai, é o Criador. Sabemos o que Ele fez com certeza, pois Ele nos falou. E é maravilhoso contemplar. Sabemos como Ele age com os homens e com a Sua criação. Não temos necessidade de mitos! Temos o Verbo Encarnado!

Para levar isso a um outro nível, considere, por um momento, que nenhum dos Padres da Igreja e nem sequer um dos santos tomou os mitos antigos como algo bom, como algo para ser comentado ou como algo a ser imitado para transmitir uma verdade. De acordo com o renomado especialista nos Padres da Igreja, Joahnnes Quasten, os primeiros apologistas gregos, como São Justino Mártir (que tinha um “conhecimento excelente de mitologia grega”) “expôs os absurdos e as imoralidades do paganismo e dos mitos de suas divindades, mostrando, ao mesmo tempo, que apenas o cristão tem o entendimento correto de Deus e do universo (Patrology, Christian Classics, vol. 1, p. 187). Quasten também explica como a Exortação aos Gregos de  São Clemente I contém uma “polêmica contra a mitologia antiga” enquanto defende “a maior antiguidade do Velho testamento (idem, vol. 2, p.8). O Papa Pio XII está apoiado por eles. Mais tarde, quando os neoplatônicos tentaram recuperar vários mitos gregos dando-lhes uma interpretação alegórica, Eusébio de Cesaréia expôs a loucura deles e refutou-lhes em sua obra Preparação para o Evangelho (idem, vol. 3, p. 329). E assim por diante com os outros Padres.

Quando reflito sobre as obras dos santos, não consigo pensar em um que tenha escrito um mito ou fábula para transmitir a verdade. Há a Divina Comédia de Dante, mas é mais um poema épico que é alegórico em sua natureza do que mitológico. Há a Utopia, de São Tomás More, que é um romance, mas que não é desconectado desse mundo e que não é uma tentativa de explicar as origens de algum tipo. De fato, ele traz à tona a discussão de assuntos importantes que tocam à vida humana e ao estado. Não é uma obra mitológica. Santa Teresa de Jesus escreveu um romance quando adolescente, mas, depois, desaprovou totalmente todo romance e preveniu as religiosas de ler trabalhos de baixo nível nos carmelos. Dom Boco tinha sonhos vívidos. Não mitos, mas visões que diziam respeito à vida da Igreja, algumas das quais ainda devem se cumprir. Em uma palavra, não consigo achar exemplos de santos que tenham usado mitos ou fábulas para transmitir a verdade.

Há os trabalhos de um dominicano do séc. XIV, Mestre Eckhart. Aparentemente, ele tentou reavivar o uso de mitos e cristianizá-los. Suas obras foram levadas à julgamento e condenadas pela presença de inúmeros erros. E não deveria ser surpresa encontrar vários filósofos heréticos do séc. XIX, como Madame Helena Blavatsky da Sociedade Teosófica, trazendo de volta essas ideias e as adotando. Muitos outros pensadores da Nova Era, como o apóstata Padre Matthew Fox, promoveram Mestre Eckhart. Obviamente, somos forçados a concluir que os santos não consideraram o mito apto para transmitir a verdade, enquanto os heréticos sim. A Igreja e a História têm mostrado que os santos estão certos.

Deve ser notado aqui que Joseph Pearce fala e repete sem cessar do quanto Tolkien é mal compreendido (trocadilho entre misunderstood – mal compreendido – e mithunderstood). A principal razão que ele dá para isso? Tolkien teria uma compreensão diferente do mito, mais elevada. Todavia, aqui também, estamos no campo errôneo de uma maneira de pensar moderna, que sempre tenta redefinir palavras e sentidos, embora permaneça a mesma palavra. Os fatos que já elencamos falam por si só… mitos não são uma estrada segura para transmitir a verdade. Parece-me claro que Tolkien provou isso como ninguém antes. Pense… 150 milhões de pessoas leram seus livros… Como resultado, toda uma indústria nasceu em torno disso: filmes, uma nova leva de autores de literatura fantástica, novos mitos, jogos e assim por diante. Trata-se de um grande negócio! Nos quartos de nossos jovens, encontramos pôsteres em tamanho real dos atores de O Senhor dos Anéis (conhecidos por levarem uma vida pervertida e sustentarem posições contrárias a Cristo e sua Igreja). E diante de toda essa atividade a Igreja não cresceu em tamanho… mas, ao contrário, muitos e muitos de seus membros caíram e até apostataram. Esses frutos falam por si. A noção de mito, mesmo na assim chamada visão elevada sustentada por Tolkien e promovida por Joseph Pearce, não ajudou a Igreja nesses tempos difíceis.

Para solidificar essa conclusão e confirmar a nossa fé, devemos agora voltar a nossa atenção aos próprios trabalhos de literatura fantástica de Tolkien. Também falarei, brevemente, de outros autores de literatura fantástica, como C. S. Lewis, quando conveniente. Mais uma vez, devemos parar por um momento. Alguns tentam afirmar que as obras de Tolkien são mais mitológicas do que fantásticas. Não obstante, fantasia (literatura fantástica) é definida como ficção imaginativa envolvendo magia e aventura, especialmente em um cenário distinto do mundo real. Isso abrange praticamente tudo o que Tolkien e Lewis apresentaram… ficção imaginativa, mágica, em outro mundo. O que mais precisa ser dito? Mito e fantasia cobrem o mesmo campo. De fato, o mito de Tolkien está mais alinhado com a fantasia do que os mitos antigos porque seu mito é ainda mais imaginário e separado do nosso do que os do mundo antigo.

É bem conhecido que para construir seu mito da Terra Média, Tolkien primeiro compôs uma língua e montou a estória em torno dela… criando povos que pudessem falar essa língua. Joseph Pearce chega ao ponto de dizer que a Terra Média era a palavra (o verbo) de Tolkien feita carne. Não é surpreendente que, como um mito, a Terra Média de Tolkien tem uma estória da criação por trás, e que pode ser encontrada mais completamente no Silmarillion. Como se espera para todos os mitos, essa estória da criação explica, entre outras coisas, como o mundo passou a existir, como o mal entrou no mundo. Lewis teve que fazer a mesma coisa com Narnia, embora com muito menos habilidade que Tolkien.

Na criação de Tolkien, tem-se um deus criando seres espirituais ou demiurgos, semelhantes aos nossos anjos. O deus dele mostra, então, a esses semideuses o tema musical da criação e lhes pede que cantem em harmonia com esse tema. Pelo cantar deles, tornam-se partícipes da criação do mundo que vai se tornar a Terra Média para os elfos e para os homens. Chegamos em um dos problemas essenciais do mito. Como produtos de uma “imaginação extravagante”, os mitos sempre se tornam desconectados do mundo que Deus realmente criou. Como eles são mundos inventados, podemos deixar de lado o ensinamento da Igreja a propósito da criação? Em outras palavras, a heresia pode ser permitida no mundo mítico? Afinal, é só fantasia! Não, devemos insistir que fantasia ou mito não é desculpa para a heresia! Especialmente se esse mito é promovido como sendo “profundamente cristão.”

O que Tolkien nos deu aqui na sua estória da criação não é católico, mas gnóstico. Os Padres da Igreja rejeitaram o ensinamento gnóstico sobre a criação, que afirma que o mundo foi feito pela intermediação de outros seres. São Tomás diz (ST Ia, 45, 5): “é impossível para qualquer criatura criar, seja pelo seu próprio poder, seja instrumentalmente, isto é, ministerialmente.” E então ouvimos o profeta Isaías dizer (44, 24): “Eis o que te diz o Senhor, que te remiu e que te formou no ventre da tua mãe: Eu sou o Senhor que faço todas as coisas, que só por mim estendi os céus e firmei a terra; quem estava comigo?” O Concílio Vaticano I repetiu o dogma da criação afirmado no IV Concílio de Latrão: “criou simultaneamente no início do tempo ambas as criaturas do nada: a espiritual e a corporal, ou seja, os anjos e o mundo; e em seguida a humana, constituída de espírito e corpo.” Desde já, com esse erro somente, podemos ver que o bem integral das obras de Tolkien se perdeu. Elas são perigosas para a nossa fé.

Ouçam o que alguns seguidores católicos de Tolkien falaram de suas idéias… sendo citados por Pearce. O Padre jesuíta V. Schall, ecoando as palavras de outro jesuíta, o Padre Robert Murray, amigo de Tolkien, exclamou: “Eu nunca li nada tão bonito quanto a primeira página do Silmarillion… A prosa era apropriadamente escriturária.” Não, desculpem, é pura gnose.

Outro amigo próximo de Tolkien admitia: “Eu me orgulho do Silmarillion… a idéia de que Deus permite que os arcanjos participem da criação… Chama a minha atenção sua descrição dos arcanjos como crianças pequenas com o pai… Tudo isso é a base para O Senhor dos Anéis como tendo sido criado pelos arcanjos, os Valar, sob a direção do Um.” Em vez de transmitir a verdade através de seu mito, ele está promovendo a heresia, nomeadamente a heresia do Gnosticismo, e ela está sendo bem recebida!

Infelizmente, há muitos e muitos outros pontos semelhantes em suas obras. Quão certo estava São Tomás quando disse: “uma falsa ideia sobre a natureza da criação sempre se reflete em uma falsa ideia sobre Deus.” Consideremos mais algumas dessas falsas ideias. Tolkien tem o desabrochar do seu mundo a partir de eons (períodos geológicos)… e assim favorece as ideias evolucionistas de nosso próprio tempo. “Tolkien… escolheu um lugar para a habitação dos Filhos de Ilúvatar ‘nas Profundezas do Tempo e no meio das numerosas estrelas.’ Assim, no ato de uma engenhosa invenção, ou subcriação, Tolkien não só distingue os Homens e os Elfos como sendo feitos diretamente à ‘imagem de Deus’, essencialmente diferentes do resto da Criação, mas ao mesmo tempo acomoda a teoria da evolução. A evolução do cosmos era simplesmente o desenrolar da Música dos Ainur, dentro da qual o Um coloca seus Filhos em habitação preparada para eles… Em um similar ato de ingenuidade, Tolkien explica que os Valar, poderes angélicos com responsabilidade de formar o cosmos, têm sido chamados frequentemente de deuses pelos Homens. Assim, ele consegue acomodar tanto o paganismo quanto a evolução dentro do seu mito, fazendo ambos subsistirem dentro da ortodoxia cristã.” (Tolkien: Man and Myth, pp. 90-91). Ah… Esperem um minuto! Paganismo… Evolucionismo… subsistindo dentro da ortodoxia cristã? Será que não podemos ver como Pearce caiu na ideia errônea de que o paganismo politeísta é uma preparação para o cristianismo, uma espécie de processo evolutivo, em vez de vê-lo tal como a escritura nos diz… “todos os deuses dos pagãos são demônios” (Salmo 95, 5)? Essas mitologias pagãs são retrocessos e não desenvolvimentos.” Como sabem, nós e outros falamos muitas vezes da pseudociência da evolução e da sua total falta de ortodoxia. Mais uma vez, podemos ver como o bem integral das obras de Tolkien está profundamente comprometido… tornando-as perigosas de serem lidas.

Consideremos ainda outro ponto, a saber, que, na Terra Média de Tolkien, a morte é um presente: “os filhos dos homens morrem de verdade, e deixam o mundo, motivo pelo qual são chamados Hóspedes ou Forasteiros. A morte é seu destino, o dom de Ilúvatar, que, com o passar do tempo, até os Poderes hão de invejar. Melkor, porém, lançou sua sombra sobre esse dom, confundindo-o com as trevas; e fez surgir o mal do bem; e o medo, da esperança.” (Silmarillion, cap. I). A Igreja ensina que a morte é um castigo pelo pecado. Ouçamos o Livro da Sabedoria (2, 24): “Deus não fez a morte.”  São Paulo declara (Romanos 5, 12): “Por um homem, o pecado entrou no mundo e pelo pecado, a morte.” A Igreja nos ensina que Deus deu a Adão e Eva o dom da imortalidade, o que é completamente oposto ao que Tolkien está afirmando. Uma vez mais, vemos que o mito falha miseravelmente em transmitir verdades muito importantes.

Não é uma surpresa que, se alguém considera a morte como um prêmio mais do que como uma punição, ele muito provavelmente afirmará que não existe inferno ou pena eterna pelo pecado. Para o mito de Tolkien, claro, esse lugar não existe, mas somente o Vazio ou a Sombra. Quando Gandalf confrontou Balrog nas minas de Moria, ele não dá uma ordem como um exorcista o faria, isto é, mandando que a criatura infernal volte para o inferno. Gandalf simplesmente diz: “Volte para a Sombra!” Quando Eowyn mata um dos Nove Cavaleiros Negros, sua morte é retratada como uma voz que some, que “foi engolida e que nunca mais foi ouvida de novo nessa era do mundo.” Ela será ouvida em outra era? Ele poderá voltar? Não há menção de uma punição eterna aqui. De novo, o mito de Tolkien não está transmitindo uma verdade, mas parece mais apto a transmitir o erro.

Outro ponto essencial. Como todos sabem, há muita magia mencionada nos trabalhos de Tolkien e Lewis. Alguns exemplos das obras de Tolkien: magos, feitiços, coisas mágicas como anéis, cajados e bolas de cristal. Tudo isso tem grande participação para fazer de O Senhor dos Anéis uma estória de sucesso. E tudo isso sempre foi considerado pela Igreja como coisa do ocultismo. De sua parte, Joseph Pearce tenta superar isso fazendo uma distinção entre a “boa” magia e a má “magia”. Ele fala: “Seria mais exato descrever a chamada magia em O Senhor dos Anéis como milagrosa, quando ela serve ao bem, e como demoníaca quando ela serve ao mal.” Assim, de acordo com Pearce, toda a magia operada por Gandalf e outros seriam milagres e não magia. A Igreja, porém, sempre considerou o milagre como um fato sensível (perceptível aos sentidos) que supera a natureza e é produzido por Deus para testemunhar alguma verdade, a santidade de algum indivíduo ou para dar um motivo para crer verdadeiramente. Dessa forma, o milagre do sol em Fátima testemunha a verdade das aparições diante de setenta mil espectadores, entre os quais havia muitos ateus. Porém, em O Senhor dos Anéis, não se faz menção de Deus, nem da fé ou da crença nEle. Não há nada que indique a santidade dos indivíduos porque não há menção à santidade em toda a série. E Gandalf fecha portas com feitiços, faz coisas queimar para manter a sociedade (do anel) aquecida na montanha gelada, ilumina o caminho deles nas escuras minas de Moria, quebra a ponte sobre o Balrog, consegue ver longe com a bola de cristal, lê o pensamento dos outros e assim por diante.  Como essas coisas são milagrosas da forma que a Igreja entende o milagre? Não são. Além disso, dado que não há uma única citação ao sobrenatural no livro inteiro, como  algo que ocorre nele pode ser considerado milagroso?

O mito de Tolkien, porém, indica que as ações mágicas que Pearce quer chamar de milagrosas vêm do poder do anel na mão de Gandalf e do cajado que ele carrega. Fica obscuro como a anel toca o fogo sagrado. O fogo sagrado é o Espírito Santo? Não está indicado. Mais uma vez, milagres apontam para a presença de Deus, para a verdade de Deus, para os santos de Deus. Não há oração, não há menção à graça, à vida interior, à fé, à esperança, à caridade nesses livros. Tudo é horizontal, ou seja, uma batalha entre aqueles que têm acesso aos poderes secretos que está dentro da natureza desse mundo mítico criado pelo Tolkien. Nada de sobrenatural é indicado. Um claro indicador disso é como os anéis começam a falhar depois da destruição do anel e como, consequentemente, já não há muita magia “boa” ou “má” feita depois disso.

Talvez no mito de Tolkien haja “boa” e “má” mágica, mas isso é distante do que ocorre no mundo real. TODA magia é uma forma de feitiçaria/bruxaria e se apoia nos poderes demoníacos, quer a pessoa que usa da magia aceite isso ou não. Assim, Deus sempre foi muito estrito em punir e proibir todos os magos, bruxos e toda sorte de feitiçaria… até mesmo mandando a morte deles na Lei de Moisés. Infelizmente, essa não é a mensagem que se encontra em O Senhor dos Anéis. Parece-me que Pearce está lendo na estória aquilo que ele quer que ela fale.

Quanto a C.S. Lewis, suas obras de fantasia (Crônicas de Narnia e Trilogia Espacial) também estão repletas de problemas. Não somente ele tem muito dessa “boa” magia, mas também mundos múltiplos e paralelos, e vida em outras planetas. Em O Sobrinho do Mago, a criança vai para uma espécie de lugar intermediário onde há muitos e muitos portais para mundos diferentes… alguns dos quais já acabaram e outros que estão começando. Assim, desse modo as crianças puderam estar presente na criação de Narnia. Isso é problemático porque programa nossas crianças para as vias da ciência moderna, que é bem baseada na fantasia atualmente… com todas as suas pretensões de um multi-universo, de ufologia e de vida em outros planetas. Embora Lewis tente muito incorporar uma alegoria cristã em suas obras – o que Tolkien desprezava – ele teve que usar o mito para construir seu sistema… e, não por acaso, em vez de promover a verdade, os elementos míticos de Lewis promovem o erro e a heresia.

Ainda que muitos outros pontos pudessem ser considerados, como, por exemplo, o fato desses mitos terem se tornado um grande negócio ou o fato de eles serem constantemente reintroduzidos, constantemente promovidos para continuar em voga… novos livros, novos filmes, novos jogos.. eu espero que concordem que já temos o suficiente para discernir claramente que não existe algo que seja como um mito cristão. Querendo ou não, eles produzirão um mundo que está em oposição com a criação de Deus… serão um “mundo feito carne” em oposição a Cristo, o Verbo feito carne. E isso ocorre porque nós temos a verdade, a realidade. Mestre Eckhart tentou batizar o mito no séc. XIV e suas obras foram condenadas. Mitos são perigosos porque nos desconectam da realidade e tentam nos introduzir em uma terra de fantasia que não existe. Ainda quando tais mundos fantásticos têm belas representações de várias verdades, eles inevitavelmente introduzem o erro e a heresia. Tanto Tolkien quanto Lewis têm várias coisas que tocam na verdade… por exemplo, Pearce fala muito da data da Encarnação de Nosso Senhor, 25 de março, como sendo a data da destruição do anel. Lewis, com Aslam sendo Cristo, tem muito mais pontos de contato que Tolkien. Todavia, tais pontos de contato com o cristianismo autêntico não são suficientes para purificar o todo. Como eu falei no início dessa conferência, a capela das irmãs, à primeira vista, era impressionante. Tudo parecia tão católico, mas olhando mais de perto, embora houvesse semelhanças, ela era maçônica (algo baseado em mitos). Parece claro, para mim, que toda literatura fantástica é um beco sem saída e deve ser evitada.

Na próxima conferência, eu espero mostrar-lhes porque livros como O Senhor dos Anéis tiveram tanto sucesso nesse momento da história. Para terminar, por enquanto, repitamos as profundas palavras de São Pedro, o primeiro Papa (I Pedro, 1, 16-17): “Efetivamente, não foi seguindo fábulas engenhosas que vos fizemos conhecer o poder e a vinda (no fim do mundo) de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas foi depois de termos sido espectadores da sua grandeza. De fato, ele recebeu de Deus Pai honra e glória, quando da majestosa glória desceu a ele uma voz que dizia: ‘Este é o meu Filho amado, em quem pus as minhas complacências’”. Agradaremos a Deus e O conheceremos não por meio de mitos, mas estudando a Sua divina Revelação.