[Sermão] O coração doloroso de Nossa Senhora

Sermão para a Festa de Nossa Senhora das Dores
15 de setembro de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

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Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria.

Gostaria de saudar o Eminentíssimo Cardeal Dom José Freire Falcão, e de lhe agradecer, Eminência, por sua bondade para conosco e grande ajuda, desde que começamos esse apostolado. É uma honra e grande alegria sua presença entre nós aqui na Festa de Nossa Senhora das Dores, nossa Padroeira. Continuar lendo

[Sermão] A exaltação da Santa Cruz e o sentido do sacrifício e do sofrimento para os cristãos

Sermão para Festa da Exaltação da Santa Cruz
14 de setembro de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria.

“Cristo fez-se obediente por nós até à morte e morte de cruz.”

Exaltation-de-la-sainte-croix-par-heracliusA Festa de hoje nos lembra do fato histórico ocorrido em 628, ano em que o Imperador Heráclio conseguiu tomar de volta a Cruz de Cristo, que havia sido levada de Jerusalém pelos Persas, que a profanaram enormemente. Tendo recuperado a Santa Cruz, Heráclio quis entrar em Jerusalém carregando ele mesmo o Santo Lenho em ação de graças pela vitória. Todavia, vestido com todas as insígnias imperiais, não pôde entrar em Jerusalém, detido por uma força invisível. O Patriarca de Jerusalém assinalou ao Imperador que não convinha carregar com tanto aparato a Cruz que Nosso Senhor carregou com tanta humildade. Despojado de todo o aparato imperial, Heráclio conseguiu entrar em Jerusalém carregando a Cruz.

Exalta-se, hoje, a Santa Cruz, da qual pendeu a salvação do mundo. Ó bem-aventurado lenho e benditos cravos que tão suave peso sustentastes, só vós fostes dignos de sustentar o Rei e Senhor dos céus. Foi pela Cruz que Nosso Senhor lançou fora o príncipe desse mundo. A cruz está tão profundamente associada que as relíquias da verdadeira cruz devemos prestar um culto relativo de latria, pois essas relíquias da verdadeira cruz representam o próprio Cristo e pelo contato que tiveram com Ele. É um culto de latria, quer dizer, um culto que se deve unicamente a Deus. É um culto relativo, isto é, não adoramos a cruz por si mesma, mas pela sua ordem a Nosso Senhor Jesus Cristo, pela sua relação com Nosso Senhor Jesus Cristo.

Nosso Senhor, para nos salvar, morreu na cruz. Ele ofereceu à Santíssima Trindade um verdadeiro sacrifício. O sacrifício é justamente o oferecimento de uma coisa sensível a Deus, com mudança ou destruição da mesma, realizada pelo sacerdote em honra de Deus, para testemunhar seu supremo domínio e nossa completa sujeição a Ele. Na paixão e morte de Cristo estão, em grau excelente, todas as condições que se requerem para um verdadeiro sacrifício. Nós temos a coisa externa que é o corpo, a vida de Nosso Senhor. Esse corpo vai ser imolado voluntariamente por Ele na cruz, por sua infinita caridade. Cristo é o Sumo Sacerdote que se oferece a si mesmo. Ele é sacerdote e vítima. E finalidade de Cristo não pode ser outra: dar honra a Deus, reparando pelo pecado e nos obtendo graças para nos convertermos a Ele. Nosso Senhor, na cruz, ofereceu-se em verdadeiro sacrifício. E o sacrifício de Cristo na cruz é o único, depois da sua vinda na terra, que pode oferecer a Deus.

Nosso Senhor se ofereceu voluntariamente por caridade, para honrar a Deus, para satisfazer por nossos pecados, para nos alcançar as graças que precisamos para nos salvar. Que grande o amor de Cristo, que vai até a morte e morte de cruz. Nosso Senhor, inocente e sumamente santo, sofreu, e sofreu mais do que todos nós juntos, para fazer a vontade perfeita de Deus e para nos salvar. Nós, se queremos nos salvar, se queremos seguir Nosso Salvador, deveremos tomar a nossa própria cruz e oferecer nossos sacrifícios, em sentido largo, em união com o sacrifício de Cristo. Nós precisamos saber sofrer, caros católicos, se quisermos chegar ao céu.

Nossa sociedade, neopagã, hedonista, tornou-se incapaz, como acontecia na antiguidade pagã, de compreender o sentido de sacrifício e de sofrimento. Nossos contemporâneos e nós mesmos temos horror ao sofrimento. Muitas vezes pensamos: tudo, menos o sofrimento. E, com razão, se perdeu em nossa sociedade o sentido do sofrimento, porque nós só podemos compreender o sentido pleno do sofrimento ao considerar os sofrimentos de Cristo. É somente com o exemplo de Cristo, com sua doutrina e com as graças que Ele nos dá que poderemos sofrer bem. Precisamos recuperar a noção de sacrifício em nossas vidas, em união com o sacrifício de Cristo.

Precisamos compreender que devemos deixar de lado nossa vontade própria, nossas más inclinações, nossos caprichos, para fazer a vontade de Deus. Devemos compreender que é preciso renunciar a muitas coisas para cumprir bem os deveres de estado. Precisaremos suportar a zombaria do mundo ou suas perseguições, ou a sua indiferença. Precisaremos suportar a eventual perda de amizades quando começamos a praticar mais seriamente a vontade de Deus. Precisaremos suportar eventualmente a perda da estima do mundo, quando nos convertemos a Cristo. A vida conjugal é uma vida de sacrifícios, a vida sacerdotal é uma vida de sacrifícios. Em todo estado de vida nós deveremos oferecer nossos pequenos sacrifícios do dia-a-dia, suportando com paciência as contrariedades e as provações. Nada impede que procuremos corrigir e melhorar as coisas, mas será preciso fazê-lo sempre com caridade.

O horror ao sofrimento é um dos maiores impedimentos contra a santificação. Nós precisamos deixar esse horror de lado. É preciso compreender que o sofrimento é necessário para reparar pelo pecado. O pecado que nos leva a uma satisfação ilícita deve ser reparado com uma pena. Ele é necessário para a santificação da alma. Se a santidade é se assemelhar a Cristo, devemos lembrar que Cristo é Cristo crucificado para depois ressuscitar. Santificação é igual a cristificação. Cristificação é igual a sacrificação, se assim podemos dizer. Não há outro caminho para chegar ao céu, a não ser pela cruz.

Nós sofremos todos, em maior ou menor grau, conforme à disposição divina, que dispõe tudo com sabedoria e caridade. O importante é sofrer bem, sem murmurar, sem revolta, mas com paciência e mansidão, procurando melhorar as coisas, mas sempre se submetendo à vontade de Deus. Se sofremos murmurando ou com impaciências, acrescentaremos um segundo mal ao primeiro e esse segundo mal será pior porque será um mal maior. Devemos sofrer bem. Sofrer passa, mas sofrer bem não passa nunca. O sofrimento cristãmente suportado expia nossos pecados, submete a carne ao espírito, nos desprende das coisas da terra, nos purifica e embeleza a nossa alma porque tira dela as desordens. Pelo sofrimento bem suportado e oferecido a Deus poderemos alcançar tudo dele. O sofrimento faz de nós também apóstolos. Quantas graças podemos alcançar para os outros por meio de nossos sofrimentos. Os sofrimentos nos assemelham a Nosso Senhor e a Nossa Senhora.

Precisamos, caros católicos, retomar o verdadeiro sentido do sofrimento, e saber que podemos tirar dele um grande bem. Essa noção de sacrifício, de oferecer nossos pequenos sacrifícios no dia-a-dia em união com Cristo precisa ser retomada por nós católicos. Precisamos exaltar a cruz de Cristo e nos unir a Ele.

O Papa bento XVI escolheu a Festa da exaltação da Santa Cruz para a entrada em vigor do Motu Proprio Summorum Pontificum, que confirmou para todos os fiéis o direito de assistir à Missa no Rito Romano Tradicional, como a celebramos aqui. O objetivo do Papa é que essa Missa seja conhecida por todos, como tesouro espiritual e monumento da fé católica que é. Ele associou a Missa Tradicional à Cruz. Ele fez isso porque nesse Rito Tradiional, na Missa Tridentina, a cruz de Cristo se renova de maneira clara. O caráter sacrificial da Missa está perfeitamente expresso na liturgia tradicional, sem receio, sem atenuações, sem respeito humano. Se queremos resgatar a noção de sacrifício entre os católicos e na sociedade, noção própria da doutrina de Cristo, é necessária uma liturgia que exprima claramente o sacrifício de Cristo.

Saibamos sofrer, caros católicos, inspirando-nos no sacrifício de Cristo no Calvário, sacrifício renovado no altar. Saibamos sofrer unidos ao sacrifício de Cristo.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] Os princípios não negociáveis para os católicos na política

Sermão para o XIII Domingo depois de Pentecostes
07 de setembro de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria.

Caros católicos, hoje é dia 7 de setembro. Devemos procurar rezar de modo particular pelo nosso país.

Estamos às portas de mais uma eleição em nosso país. Surgem, então, as propostas de cada um dos candidatos, com relação aos mais variados temas. É doloroso, porém, constatar que os temas de capital importância para nosso país são deixados de lado ou rapidamente descartados sem muita discussão quando surgem. Como se fôssemos seres puramente materiais, o tema que mais ocupa o noticiário e os debates é o da economia, em uma visão reducionista do ser humano e da sociedade. A economia tem, claro, sua relevância, mas ela é bem inferior aos temas que dizem respeito aos fundamentos da nossa sociedade e que moldam o nosso país agora e no futuro.

Entre esses temas fundamentais estão os que o Papa Bento XVI havia chamado no seu pontificado de princípios não negociáveis para os católicos na política. O Papa mencionou três princípios não negociáveis, quer dizer, princípios que um católico não pode desconsiderar quando se trata de eleger um candidato, de votar. O primeiro deles é a proteção da vida inocente em todas as suas fases, desde o primeiro momento da concepção até sua morte natural. Nesse primeiro princípio, está claro que o Papa se refere ao aborto, à eutanásia e a outros assuntos conexos, como a pesquisa com células-tronco embrionárias. O aborto, como sabemos, é o assassinato do bebê ainda no ventre materno. A eutanásia é o assassinato de um doente, tirando dele os meios ordinários de sobrevivência ou matando-o simplesmente, com uma injeção ou algo do gênero. A pesquisa com células-tronco embrionárias é aquela que usa e mata os embriões, em geral fruto de inseminação artificial – inseminação artificial que é gravemente proibida pela Igreja Católica – para pesquisas nas mais diversas áreas ou simplesmente para se fazerem cosméticos. As pesquisas com células-tronco embrionárias são completamente ilícitas porque matam uma vida humana, e, além disso, têm mostrado pouquíssimos resultados. As pesquisas com células-tronco adultas, tiradas de órgãos de pessoas adultas não é ilícita e, essa sim, tem mostrado resultados. Deus faz as coisas bem feitas, caros católicos. Portanto, o primeiro ponto não negociável é a proteção da vida inocente em todas as suas fases, desde a concepção até sua morte natural.

O segundo ponto não negociável é a promoção da família natural, na verdade o único tipo de família que existe, com a união entre um só homem e uma só mulher pelo matrimônio indissolúvel. De modo particular, o católico deve defender a família diante das tentativas do reconhecimento legal de uniões de pessoa do mesmo sexo. Diz a nota doutrinal da Congregação para a Doutrina da Fé de 2003 sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais: “Em presença do reconhecimento legal das uniões homossexuais ou da equiparação legal das mesmas ao matrimónio, com acesso aos direitos próprios deste último, é um dever opor-se-lhe de modo claro e incisivo. Há que se abster de qualquer forma de cooperação formal na promulgação ou aplicação de leis tão gravemente injustas e, na medida do possível, abster-se também da cooperação material no plano da aplicação. Nesta matéria, cada qual pode reivindicar o direito à objecção de consciência.” Portanto, não se trata de se opor simplesmente ao “casamento” homossexual, mas trata-se de se opor a qualquer reconhecimento legal dessas uniões. No Brasil, um reconhecimento legal foi feito insidiosamente no Supremo Tribunal Federal e sua aplicação foi forçada pelo Conselho Nacional de Jusitça, à revelia da população majoritariamente contra.

Finalmente, o terceiro princípio não negociável mencionado por Bento XVI é o direito dos pais de educarem os filhos. A família antecede o Estado. Portanto, por direito natural cabe aos pais educar os filhos e não cabe ao Estado impor o que ele bem entende, como a ideologia do gênero ou o indiferentismo religioso, por exemplo. O Estado, com seus planos nacionais de educação, tem querido cada vez mais monopolizar a educação de nossas crianças e jovens, querendo obrigar a entrada na escola cada vez mais cedo, estendendo os horários, etc. A educação é direito e dever primeiramente dos pais, por lei natural.

Deve ser para todos evidente que uma sociedade em que os pais matam os filhos, em que os filhos matam os pais idosos, ou em que se mata uma vida inocente simplesmente para se poder viver com mais tranquilidade e sem ter tanto trabalho, é uma sociedade corrompida no seu fundamento. Uma sociedade que reconhece e legitima as uniões homossexuais, uniões que não se voltam para a perpetuação da espécie humana, uniões que não podem dar frutos, que não podem gerar vida, uniões que se opõem ao mais elementar dado da realidade, que é a complementaridade entre um homem e uma mulher – uma sociedade que reconhece e legitima essas uniões está corrompida no seu fundamento. Uma sociedade em que a família não é a principal educadora das crianças e dos jovens é também uma sociedade corrompida no seu fundamento. Pode até ser que tenha durante certo tempo uma prosperidade econômica, mas aquela prosperidade que realmente importa, que é a da virtude, já não existe. E uma sociedade corrompida moralmente a tal ponto está fadada a desaparecer e a ser castigada por Deus.

São esses os três princípios não negociáveis de que nos falava o Papa Bento XVI. É claro que os outros princípios da lei natural e da lei divina não podem ser negociados. Não se pode negociar o princípio, sempre afirmado pela Igreja, da impossibilidade de ser católico e socialista ou comunista ao mesmo tempo. Ou se é uma coisa ou outra. Não se pode negociar o princípio de que a Igreja católica é a verdadeira religião revelada por Deus e que, consequentemente, ela deva ser reconhecida como tal pelo Estado. E assim por diante. Nenhum princípio da fé, da Revelação ou da lei natural pode ser negociado. O que devemos destacar é que esses três princípios não negociáveis mencionados pelo Papa bento XVI estão realmente no fundamento de tudo, não só da sociedade civil, mas também da Igreja. Se uma sociedade cede em um desses três pontos, todo o resto automaticamente desmorona.

E esses três pontos de fundamental importância são completamente negligenciados pelos mais diversos candidatos. Os temas que realmente importam para a sociedade são silenciados, pois pode ser que a sociedade se dê conta desses gravíssimos erros e do suicídio que significam. Esses temas são silenciados porque os principais candidatos são favoráveis em maior ou menor escala a esses erros. Quando alguém ousa levantar algum desses temas e tratar deles devidamente, apontando os problemas e perigos gravíssimos, é logo tratado de fundamentalista religioso. De fundamentalismo religioso não há nada. Primeiro, são temas que dizem respeito à lei natural, independentemente da religião. Nossa razão compreende que não se pode matar um bebê, compreende que não se pode matar um doente. Nossa razão compreende que a união entre duas pessoas é em vista da procriação, da geração dos filhos. Nossa razão compreende que a família é a primeira sociedade onde se educam os filhos. E, ainda que fosse um tema estritamente religioso, é preciso dizer que a Igreja poderia afirmar e deveria reafirmar a sua doutrina, para, com a luz do Evangelho, evitar um grande mal para a sociedade.

Corremos o risco, caros católicos, de ver nosso país se afundar cada vez mais em um socialismo difuso – cada vez menos difuso e mais palpável -, em um relativismo moral ainda mais drástico e pernicioso, em um esquecimento completo da lei natural e da lei de Deus. Nós precisamos fazer a nossa parte. E nossa parte começa pelas nossas famílias, por famílias católicas, em que os filhos são bem educados, em que os membros buscam, cooperando entre si, cumprir a vontade de Deus em todas as coisas e chegar ao céu. Fazer nossa parte com famílias católica numerosas, de onde saíram bons padres, bons religiosos e religiosas. Famílias católicas de onde saíram futuros maridos e esposas católicas que terão famílias católicas numerosas, com vocações e assim por diante. É assim que faremos nossa parte para restaurar tudo em Cristo. Devemos também professar publicamente a nossa fé, sem respeito humano, nos ambientes em que vivemos e agir na esfera pública na medida de nossas possibilidades e sempre em conformidade com a doutrina católica.

Rezemos e façamos a nossa parte por nosso país, para que ele não seja como esses dez leprosos ingratos do Evangelho de hoje. As terras brasileiras receberam de Deus um grande favor, que foi a colonização feita pelos católicos portugueses, que nos trouxe a luz do Evangelho, que nos trouxe Nosso Senhor Jesus Cristo. Se renegarmos essa graça, corremos sérios riscos de cairmos em paganismo pior que o dos índios. Peçamos, nessa novena de Nossa Senhora das Dores, também pelo Brasil, e que Deus tenha piedade de nós.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] O Bom Samaritano

Sermão para o XII Domingo depois de Pentecostes
31 de agosto de 2014 – Diácono Tomás Parra

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave Maria.

Reverendo Padre, Caros irmãos,

Neste 12º Domingo depois de Pentecostes, o Evangelho nos narra que, estando Jesus entre os doutores da lei, um deles levantou-se e disse-lhe, para tentá-lo: “Mestre, que devo eu fazer para possuir a vida eterna?”. Nosso Senhor, por sua vez, cheio de mansidão, lhe propôs também uma questão, seguindo seu custume quando era Ele mesmo testado, e disse: “Que é que está escrito na lei? Como lês tu?”. O doutor, respondendo, disse: “Amarás o Senhor teu Deus com todo teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças, com todo teu entendimento; e o teu próximo como a ti mesmo”. Nosso Senhor então, responde: “Respondeste bem; faz isso, e viverás”, como dizendo, faz isso sempre e terás a vida eterna.

“Mas quem é meu próximo?”. Esta pergunta do doutor mostra a soberba dos escribas, que acreditavam serem poucos os que mereciam seu amor. E foi também a ocasião para Cristo tomar a palavra e ensinar a parábola do Bom Samaritano, que é o quadro mais belo e mais perfeito que se poderia fazer do amor do próximo.

Nessa parábola do Evangelho, caros irmãos, Nosso Senhor descreve a Si mesmo. Ele é o Bom Samaritano que trata o homem com uma misericórdia admirável e divina. Ele é o exemplo perfeito de amor de Deus e do próximo.

Primeiramente, caros irmãos, o Bom Samaritano olha cheio de compaixão para aquele homem ferido e despojado de seus bens, e se aproxima dele. Ora, esse homem somos nós, pecadores, despojados de todas as riquezas de ordem sobrenatural por causa do pecado. Nosso Senhor se aproximou de nós pela sua Encarnação, mistério no qual ele manifesta a sua onipotência, e o tão grande amor que teve por nós, que o levou a rebaixar-se e a assumir, num ato de infinita humildade, uma natureza humana frágil, capaz de sofrer, de sofrer por nós. Ele aproximou-se, também, deste homem ferido, pela maneira que quis se apresentar ao mundo, comendo com os pobres, com os pecadores, levando uma vida humilde, e escolhendo, muitas vezes, no povo simples os seus apóstolos, aos quais devia confiar sua missão. Além disso, a cada dia, Nosso Senhor vem sobre o altar, na missa, para pagar pelos nossos pecados e nos fortalecer pela comunhão.

Tendo-se aproximado, o Bom Samaritano ligou-lhe as feridas. Eram muitas essas feridas deste homem abandonado meio morto pelos ladrões. Muitos eram os ferimentos do homem decaído pelo pecado. Na verdade, caros irmãos, depois do pecado, o homem havia perdido a graça santificante, que é a amizade com Deus, a vida sobrenatural da alma. Seu entendimento estava obscurecido para as verdades mais fundamentais da religião. Sua vontade, debilitada por ter apegado o coração à criatura e o afastado do Criador, deixando-se por isso, muitas vezes, dominar pela concupiscência; seu corpo estava submetido à doença e à morte, e suas paixões ficaram como revoltadas e seguindo sem controle a lei da concupiscência.

Mas Nosso Senhor, nosso Bom Samaritano, por amor, vai tratar e curar estes ferimentos. Na cruz, Ele nos alcança de novo a graça santificante, estabelecendo uma Nova Aliança entre Deus e os homens. Pelos seus ensinamentos, Ele iluminou nossa inteligência, ampliando a revelação divina. Ele fortaleceu nossa vontade, nos dando a esperança, que nos faz desejar as coisas do céu, e a caridade sobrenatural, que educa nossos amores segundo Deus. Com seu exemplo, ensinou-nos que a morte é uma passagem para uma vida incorruptível e bem-aventurada, e, morrendo por nós, fez das misérias desta vida meios para ganharmos méritos para a vida eterna.

Em seguida, o Bom Samaritano, deitando azeite e vinho sobre as feridas, representa Jesus Cristo, que através dos sacramentos aplica sua misericórida e seus méritos, apagando nossos pecados e nos fortalecendo pela graça para uma vida nova, uma vida santa. O azeite e o vinho são, por um lado, a doçura misturada com a severidade, com as quais Nosso Salvador nos cura, nos perdoando e nos corrigindo. Por outro lado, representam a palavra de Deus, que ao mesmo tempo revela verdades suaves que conduzem ao arrependimento e verdades terríveis que fazem o pecador temer por sua condenação.

Depois disso, caros irmãos, o Bom Samaritano coloca o homem sobre sua montada, para levá-lo. Fazendo isso, ele representa Cristo, que assumindo a natureza humana, nos elevou para perto de Deus. Pois Ele tomou sobre si nossos próprios pecados, de tal forma que pudéssemos ser incorporados a Ele para formar seu Corpo Místico. Além disso, Nosso Senhor nos eleva do chão, ou seja, nos tira de nossos vícios, oferecendo-nos um exemplo perfeito de obediência a Deus Pai, de humildade, de mansidão e de todas as virtudes. E, também, a cada dia nos auxilia em nossos trabalhos e sofrimentos, nos chamando com estas palavras: “Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo, e eu vos aliviarei”. Este gesto de tomar nos braços o pecador significa também associá-lo à sua Cruz, à obra da Redenção.

A estalagem, para onde é levado o homem ferido, simboliza a Igreja Católica, a quem Nosso Senhor confiou todos os homens, antes de subir aos Céus; e é unicamente na Igreja Católica que eles acharão todos os auxílios próprios para curar as suas chagas, e para fazê-los obter uma saúde perfeita, a salvação.

O Bom Samaritano, que segundo o Evangelho de hoje, agiu como o próximo desse homem ferido, é figura de Cristo Nosso Senhor, que se fez homem para ser nosso próximo, e assim tudo dispôs para nossa salvação.

Tendo nos dado o exemplo deste amor ao próximo, que é, aliás, sinal e condição do amor de Deus, Cristo nos deixou o “mandamento novo”: “Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei”.

Que a meditação destas verdades e o exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo nos façam, caros irmãos, estar atentos aos sofrimentos e necessidades de nossos próximos, nos ensine a ter compaixão e a dedicarmos, em favor deles, nosso tempo, nosso trabalho e nossas próprias pessoas, sobretudo para o bem da alma deles.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] O católico e as eleições

Sermão para o 8º Domingo depois de Pentecostes

03.08.2014 – Padre Daniel Pinheiro, IBP

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

 “Os filhos desse século são mais hábeis que os filhos da luz.”

No ano passado, caros católicos, fiz a explicação dessa parábola de que fala Nosso Senhor no Santo Evangelho desse 8º Domingo depois de Pentecostes. Hoje, gostaria de tratar de um tema importante para nós, nossas famílias, nossa religião, nossa pátria. Gostaria de falar das eleições que em breve ocorrerão em nosso país. Vejamos qual é a melhor conduta diante da realidade que se apresenta diante de nós nessas eleições.

Antes de tudo, gostaria de relembrar um ponto do 4º mandamento da lei de Deus. O quarto mandamento nos manda honrar pai e mãe. Já tivemos oportunidade de falar que esse mandamento não se resume, porém, às nossas obrigações para com nossos progenitores, mas se estende também a outras autoridades, civis e eclesiásticas, e se estende igualmente à nossa pátria.

Entre as obrigações para com a pátria, está a obrigação de votar para eleger bons candidatos. Essa obrigação pode ser leve ou grave dependendo das circunstâncias. Ela vai ser mais grave quanto mais dependerem das eleições os interesses religiosos, morais e sociais da nação e quanto mais incerta for a eleição. É preciso ter presente que os legisladores e os governantes podem produzir um grande bem ou um grande mal à Igreja, ao clero, à família cristã e à família em geral, à moralidade pública, etc. Nós temos visto o grande mal que nos faz o governo atual no plano da família, da moralidade pública, da religião católica, ao facilitar o acesso ao aborto, ao legalizar uniões homossexuais, ao tornar obrigatória a educação sexual para as crianças, ao querer impor a ideologia do gênero nas escolas, etc Portanto, é um dever importante eleger bons candidatos. Todo católico sincero deve dar o próprio voto aos candidatos que oferecem garantias verdadeiramente suficientes para a tutela dos direitos de Deus e das almas, para o verdadeiro bem dos indivíduos, das famílias e da sociedade, segundo a lei de Deus e a moral cristã. Por outro lado, votar em um candidato indigno é, a princípio, ilícito.

Todavia, surge uma dificuldade em nossos tempos. Nas supostas democracias em que vivemos, e nesse sistema moderno corrompido desde a sua raiz – pois nega os direitos de Deus e de sua verdadeira Igreja desde o princípio – devemos votar entre dois, três, quatro candidatos, que não escolhemos, mas que nos são impostos. Habitualmente, esses candidatos têm, em linhas gerais, os mesmos objetivos, que são, no fundo, descoroar Nosso Senhor Jesus Cristo, estabelecer uma sociedade completamente alheia aos mandamentos de Deus, completamente alheia à Igreja. Uma sociedade hostil à família cristã. Ou, olhando pelo outro lado, o objetivo deles é estabelecer a cultura de morte, isto é, uma cultura, com leis e facilidades, que nos afastam de Deus, nos levando ao pecado e às maiores abominações, tal como o aborto, a eutanásia, a união homossexual. Diante dessa realidade em que todos os candidatos são indignos, nos surge, então, a dúvida: se podemos votar em um deles ou se devemos nos abster. A resposta dos teólogos moralistas diz que é lícito escolher um candidato ruim para evitar o pior. Para poder votar em um candidato indigno, quando não temos a opção de votar em um bom candidato, devemos ter um fim honesto e uma gravíssima causa para votar nesse candidato indigno. Devemos ter um fim honesto, isto é, podemos votar em um candidato indigno, ruim, mas não porque ele é ruim, nem desejando que ele aplique coisas ruins, mas dando-lhe um mandato para que ele possa fazer o que é sua obrigação como governante ou legislador: legislar ou governar conforme as leis de Deus. Além disso, devemos ter uma causa gravíssima para eleger um candidato indigno. Uma dessas causas gravíssimas é justamente impedir a eleição do pior candidato. Nesse caso, é preciso deixar claro que votamos unicamente para excluir o candidato mais indigno e não porque aprovamos o outro. Com essas ressalvas, isto é, com um fim honesto e para impedir a eleição do pior, o católico pode votar no menos pior. Não há unanimidade entre os teólogos se existe obrigação de votar no menos pior nesse caso. Parece, todavia, que convém votar no menos pior, pois, embora o objetivo seja o mesmo, o ritmo de implantação da cultura de morte é mais lento, permitindo, talvez, a organização de uma melhor resistência. A abstenção dos bons ou a anulação do voto pelos bons, desiludidos, pode determinar a eleição do pior dos candidatos, o que não é, evidentemente, bom. Claro, falamos tudo isso considerando que não há fraudes nas eleições.

Concretamente, caros católicos, não se pode em consciência votar no partido que atualmente governa o Brasil nem em outros mais à esquerda, no nome ou na prática. Se nenhum candidato é bom, convém mais escolher o candidato menos pior do que se abster ou anular o voto. Assim parece pensar a maior parte dos teólogos moralistas. O governo atual tem demonstrado uma grande hostilidade à lei de Deus e da Igreja: tenta de todas as formas impor a cultura de morte, e tem conseguido, muitas vezes de maneira sorrateira, ampliar o aborto, legalizar as uniões homossexuais, impor a ideologia do gênero, a eutanásia e outros crimes semelhantes, que ofendem de modo gravíssimo a Deus e destroem a sociedade na sua raiz.

A política não diz respeito diretamente à Igreja, a não ser quando a política começa a tocar no bem das almas, no bem comum da sociedade (de maneira mais grave) e no bem da Igreja, o que é o caso. E quando isso ocorre, os pastores precisam orientar as ovelhas e denunciar o lobo.

Não podemos nos esquecer, caros católicos, de que entre nossos deveres para com a nossa pátria está também o de rezar por ela, em particular nesse ano eleitoral. Rezemos a Nossa Senhora Aparecida para que ela afaste do Brasil o comunismo, o socialismo, o liberalismo e traga ao Brasil o cetro doce e suave de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

 

[Sermão] Verdadeira beleza da Missa Tridentina (Rito Romano Tradicional)

Sermão para o 7º Domingo depois de Pentecostes

27.07.2014 – Padre Daniel Pinheiro, IBP

Dado novamente e atualizado na Festa do Bom Pastor, 30.04.2017.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

Com muita frequência ouvimos que nós aderimos à liturgia tradicional porque ela é mais bonita, mais bela, como se nossa adesão a ela fosse simples e puramente subjetiva, quer dizer, uma questão de simples preferência pessoal, de sensibilidade pessoal, de gosto pessoal: “acho essa Missa mais bonita, então quero assistir a essa Missa.” Ao contrário, caros católicos, nossa adesão à liturgia tradicional deve se dar por motivos objetivos, que se encontram no próprio rito e não somente em nossas disposições pessoais e subjetivas, pois tais disposições têm pouquíssima importância.

A beleza do rito tradicional nos faz, de fato, amá-lo. A beleza, no entanto, é algo objetivo, que se encontra na coisa que é bela, independentemente do sujeito. Assim, a Basílica de São Pedro, no Vaticano é bela, independentemente de nós. A Catedral Notre Dame de Paris é bela independentemente de nossa sensibilidade. Também o contrário é verdade. Infelizmente, muitas Igrejas modernas são feias, independentemente de nossos gostos. Assim, se alguém acha feio o que é objetivamente bonito ou acha bonito o que é objetivamente feio essa pessoa tem um real problema de juízo estético, como aquele que acha que o aborto é moralmente lícito tem um problema em seu juízo moral.  A beleza é algo objetivo, que está no objeto. E três são os elementos da beleza. Primeiro, a integridade. Segundo, a harmonia ou proporção. Terceiro, o esplendor da beleza, quer dizer, a clareza com que a integridade e a proporção ou ordem da coisa se manifestam. Quando a alguma coisa lhe falta algo que deveria ter, essa coisa perde a sua beleza. Quando algo é desproporcional, sem harmonia, também não pode ser belo. E quando algo é íntegro, proporcional, ordenado, mas essas coisas não são tão manifestas, também não podemos falar de beleza, já que o belo deve ser percebido por nossos sentidos e pela nossa inteligência. Quando algo possui esses três elementos – integridade, harmonia, e esplendor – ele é belo e, como belo, agrada aos sentidos, à inteligência. Se a beleza agrada aos sentidos, temos a beleza sensível. A beleza mais nobre, porém, é a espiritual, aquela que é percebida pela inteligência e que atrai a vontade: a beleza da verdade, a beleza de uma vida virtuosa, por exemplo. É por isso que a vida de um santo nos causa admiração: ela é bela porque a virtude é íntegra e ordenada.

A Missa Tradicional é de uma beleza – objetiva, claro! – que não pode ser medida. Tal beleza é única na Santa Igreja. A Igreja sempre considerou o Rito Romano Tradicional o mais belo e mais perfeito, mesmo diante dos Ritos Católicos Orientais. E mesmo aqueles que se opõem à liturgia romana tradicional reconhecem a sua beleza. Reconhecem a beleza do canto, dos paramentos, do ritual. Todavia, a verdadeira beleza da Missa Tradicional é muito mais profunda do que os cantos, os paramentos, pois a Missa Tradicional possui os três elementos da beleza – integridade, harmonia ou ordem, e esplendor – em grau eminente.

A Missa Tradicional é, antes de tudo, íntegra. Ela expressa de maneira perfeita a doutrina da Santa Igreja, tal como ensinada por Cristo e transmitida pelos apóstolos e seus sucessores até os nossos dias. Entre esses pontos de doutrina, podemos citar três dogmas que na liturgia recente foram infelizmente bastante atenuados, com prejuízo para os fiéis, ainda que não tenham sido negados formalmente. O primeiro ponto de doutrina muito bem expresso no rito romano tradicional é o dogma da presença real, verdadeira e substancial de Cristo sob as aparências de pão e de vinho, presença que é distinta e imensamente superior à presença de Cristo na Sagrada Escritura ou entre discípulos que rezam. Na Missa Tridentina, a presença real se manifesta claramente. Para citar, então, alguns exemplos: toda vez que o Padre deve tocar nas espécies sagradas ele deve fazer uma genuflexão antes e uma depois; é também obrigatório guardar unidos os dedos que tocaram o Santíssimo Sacramento, soltando-os somente depois que os dedos são purificados, sobre o cálice, com água e vinho que o sacerdote bebe logo em seguida; o sacerdote faz a genuflexão, no momento da consagração, antes e depois da elevação; o respeito e a reverência ao Santíssimo Sacramento obrigam os fiéis a receberem a sagrada comunhão na boca e, salvo impedimento, de joelhos. A presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo em corpo, alma, sangue e divindade é claramente afirmada na Missa no Rito Romano Tradicional também pelas palavras que compõem o rito, sem ambiguidades. Por exemplo, o ofertório deixa muito claro que o que se oferece é a hóstia imaculada, isto é, o próprio Cristo e não um pão.

O segundo dogma claramente manifestado no rito tradicional é o do sacerdócio ministerial, quer dizer, a diferença essencial que existe entre o sacerdócio do Padre e o sacerdócio dos fiéis. Quem realiza a renovação do sacrifício da Cruz é Cristo, sacerdote principal. Mas ele realiza a renovação do sacrifício do Calvário por meio do Padre. Padre que é o instrumento escolhido por Nosso Senhor e ao qual os fiéis devem se associar. No rito romano tradicional isso é bem claro: o sacerdote não é jamais definido como presidente da assembléia ou como o primeiro entre iguais; o sacerdote reza o ofertório e o Cânon, quer dizer, a oração eucarística e as palavras da consagração em voz baixa, para indicar que seu poder sacerdotal independe do povo. O Pai Nosso, que na liturgia romana é uma oração sacerdotal, é rezada unicamente pelo sacerdote. Todos os paramentos sacerdotais da Missa Tradicional – sempre obrigatórios – indicam a diferença entre o sacerdote e o fiel. Diferença que não significa, evidentemente, maior ou menor santidade, mas simplesmente uma participação essencialmente diferente no sacerdócio de Cristo. Cristo fundou a Igreja como uma sociedade hierárquica: nós vemos isso claramente na Missa Solene do rito tradicional em que padre, diácono e subdiácono estão sempre em posição hierárquica. E nessa sociedade hierárquica, o papel de oferecer o sacrifício cabe unicamente ao sacerdote. Os fiéis devem se associar ao sacerdote no culto litúrgico.

O terceiro dogma claramente expresso é o dogma de que a Missa é um sacrifício propiciatório, além de ser um sacrifício de adoração, de ação de graças e sacrifício pelo qual pedimos os bens necessários para nossa salvação. A Missa é um sacrifício propiciatório, quer dizer, pelo qual pedimos a Deus perdão pelos nossos pecados e pelo qual ele nos concede esse perdão se estamos bem dispostos, levando-nos ao confessionário, se necessário. O rito da Missa implora constantemente o perdão dos nossos pecados e deixa claro a todo instante que se trata da renovação do sacrifício de Cristo. Já na subida ao altar o Padre pede a Deus que afaste de nós as nossas iniquidades e depois pede perdão pelas suas faltas beijando o altar. Nove pedidos de misericórdia no Kyrie. Nas inúmeras e sublimes orações do ofertório da Missa Antiga está expressa essa finalidade propiciatória: repetidas vezes o Padre perde perdão pelos seus pecados. No ofertório da hóstia, pede perdão pelos seus inúmeros pecados, ofensas e negligências. No ofertório do cálice implora a clemência de Deus. Também nas orações que pedem a aplicação dos frutos da Missa aos fiéis defuntos está expresso o caráter propiciatório da Missa. Eis então a integridade da Missa Tradicional: correspondência clara e perfeita ao dogma católico. Correspondência clara e perfeita que foi infelizmente muito atenuada na liturgia renovada, pela diminuição da expressão dessas verdades, o que prejudica os fiéis.

Coincidentemente, esses três pontos tão bem afirmados na Missa no Rito Romano Tradicional e tão claramente ensinados no Concílio de Trento, são os pontos mais atacados pelos protestantes, dos quais temos o dissabor, nesse ano, de lembrar os 500 anos de revolta contra Cristo e sua Igreja. Os protestantes negam a presença real de Cristo na eucaristia, negam que a Missa seja um sacrifício pelos pecados e negam o sacerdócio. Atenuar essas verdades no rito da missa não trouxe, infelizmente e evidentemente, os protestantes para a Igreja Católica, verdadeira Igreja de Cristo. Os católicos é que viram a sua fé extremamente enfraquecida, minguando.

A Missa é também ordenada, proporcional, bem disposta. Eis aqui o segundo elemento da beleza. Ela possui a preparação próxima, que são as orações ao pé do altar. Ela contém a Missa dos Catecúmenos, com o Introito, o Kyrie e o Glória. Ela possui as leituras, que são antes de tudo um ato de culto a Deus e à Revelação Divina contida na Sagrada Escritura. Por isso as leituras em latim não são feitas voltadas para o povo. Ela possui a Missa dos fiéis, com um ofertório e não mera apresentação dos dons. Ofertório que nos mostra bem as finalidades da Missa: adoração, ação de graças, súplica para alcançar as graças necessárias e súplica para obter o perdão de nossos pecados. Ofertório que deixa claro que a Missa é a renovação não sangrenta do sacrifício da cruz e que trata desde já o pão e o vinho como se fossem o Corpo e o Sangue de Cristo para que nosso espírito humano, lento para compreender, possa entender melhor a natureza da Santa Missa e participar mais perfeitamente do sacrifício de Cristo. Ofertório que não é a simples apresentação de nossos trabalhos e do fruto da terra que vai se tornar um vago pão da vida ou bebida espiritual, mas que fala de Cristo, que é verdadeiramente oferecido na Missa. Depois do ofertório vem o Cânon, o venerável Cânon Romano, rezado em voz baixa, obra-prima da Tradição da Igreja, e fixado desde antes do século VI, praticamente, ou seja, há mais de 1500 anos. Cânon Romano que expressa de maneira clara a doutrina da Igreja sobre a Missa. Não se trata de uma oração fabricada em escritórios por pretensos especialistas e de maneira artificial, mas formada pela providência divina ao longo dos séculos. Depois vem a consumação do Sacrifício feita pela comunhão do sacerdote, única comunhão necessária para a integralidade da Missa. Finalmente, vem a ação de graças por tão sublimes benefícios e o pedido para que possamos aproveitar verdadeiramente dos frutos da Missa e da comunhão que recebemos.

A Missa Tradicional é, então, íntegra, ela expressa perfeitamente toda a doutrina católica, sem omissões, sem ambiguidades. Ela é ordenada, proporcional: nela não falta nada e cada oração, cada parte, desde a oração ao pé do altar ao último Evangelho, passando pelo ofertório e consagração, cada uma dessas partes está perfeitamente disposta. E essa integralidade e essa ordem são claras e evidentes para quem assiste à Missa Tradicional. Quem assiste à Missa tradicional percebe rapidamente a integralidade de sua doutrina e a harmonia de suas partes. A beleza da Missa tradicional se manifesta com clareza. A Missa Tradicional é, então, verdadeiramente bela, mas de uma beleza objetiva, que se encontra no próprio rito, tal como a Igreja, sobretudo por meio de Papas Santos, a formou ao longo dos séculos.

Nosso amor pela liturgia tradicional não deve ser fundado sobre razões sentimentais nem ideológicas, nem políticas, mas, ao contrário, deve ser fundado nessa beleza que decorre da integridade doutrinal e da ordem perfeita de suas partes, e da manifestação desses dois elementos. Como dissemos, a beleza, fundada nesses três elementos – integridade, ordem e esplendor – agrada à inteligência. Como Deus é o ser inteligente por excelência, podemos dizer que a Missa Tradicional lhe agrada mais porque é a mais bela. Mais uma vez repito: essa beleza é objetiva porque há a integridade da doutrina, há uma harmonia perfeita de suas partes e porque há, finalmente, a manifestação clara dessa integridade e dessa harmonia. Quando dizem, então, que preferimos essa liturgia por simples gosto pessoal ou sentimental, porque ela é mais bonita, devemos responder que ela é, sim, mais bonita e que a preferimos por causa disso. Mas devemos afirmar que a beleza está fundamentada em aspectos doutrinais, teológicos, espirituais. Preferimos essa Missa porque sendo íntegra e ordenada agrada a Deus de uma maneira que não pode ser medida e porque, agradando a Deus, faz um bem imenso e maior às almas.

Devemos, então, lutar pela beleza da liturgia, que não é simplesmente a beleza dos paramentos, do canto litúrgico, ou o agradável odor do incenso, embora tudo isso seja também excelente. Devemos lutar por essa beleza profunda e espiritual, quer dizer, pela beleza que está intimamente ligada à doutrina católica. Uma liturgia tão bela é muito agradável a Deus e faz muito bem às nossas almas. É por esse motivo que nós, no Instituto Bom Pastor, nos obrigamos a celebrar exclusivamente a Missa Tradicional. Unamo-nos, então, caros católicos, a essa bela liturgia que ocorre agora sobre o altar. Unamo-nos por meio de uma verdadeira participação, que não consiste em fazer barulho ou gestos, mas que consiste em oferecer nossa vida em união com o sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo. Somente por Ele, com Ele e nEle podemos fazer algo que tenha valor diante de Deus. Unindo-nos a essa bela liturgia, tão agradável a Deus, possamos também nós sermos agradáveis a Deus, confessando a integridade da fé católica e a guardando íntegra, ordenando toda a nossa vida a Deus e manifestando isso em todas as nossas ações. Peçamos, então, a Deus que nos conceda, por essa bela liturgia, a graça de levarmos uma vida bela, quer dizer, uma vida de virtude, uma vida santa. Peçamos a Deus a propagação dessa bela liturgia que gera a beleza de uma vida santa.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

[Sermão] Arquitetura sacra católica tradicional

Sermão para o VI Domingo depois de Pentecostes
20 de julho de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

 

ÁUDIO: Sermão para o 6º Domingo depois de Pentecostes 20.07.2014

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

“Se morrermos com Cristo, cremos que viveremos também juntamente com Cristo.”

A Epístola de São Paulo de hoje nos mostra, caros católicos, mais uma vez como Cristo é o centro de tudo. É somente com ele que podemos e devemos morrer para o pecado. É somente com Ele que podemos viver para a vida eterna. No centro de tudo, está Cristo. Nós saímos de Deus, a partir do nada, pela criação. E voltamos para Deus por Jesus Cristo (se cooperamos com a sua graça) que nos alcançou o perdão de nossos pecados pela sua vida na terra, em particular por sua morte de Cruz. Nossa vida nada mais é do que uma saída de Deus pela criação e um afastamento dEle pelo pecado original e por nossos pecados atuais,  e uma volta a Deus por Cristo, pela cruz de Cristo. Só podemos chegar ao céu, por Cristo. E tudo na Igreja sempre demonstrou claramente e sem ambiguidades essa centralidade e essa necessidade de Cristo crucificado na sua doutrina perene e na sua liturgia tradicional. Todavia, a expressão límpida dessa centralidade não se restringia a isso. Essa centralidade transbordava para todos os aspectos da vida cristã. Um desses aspectos é o da arquitetura sacra. A arquitetura sacra tradicional da Igreja Católica demonstra a centralidade e a necessidade de Cristo, bem como mostra a centralidade e a necessidade da própria Igreja para a salvação. Aproveitando que ainda estamos sob a graça da bênção da Capela, gostaria de considerar alguns poucos aspectos relevantes da arquitetura sacra católica tradicional, para nossa edificação, para podermos melhor rezar e aderir ao que a Igreja ensina de maneira tão sublime e suave, mas também com precisão e firmeza.

Antes de tudo, é preciso que conheçamos alguns termos de arquitetura sacra. Continuar lendo

[Sermão] O rito de benção de uma igreja

Sermão para a Benção da Capela Nossa Senhora das Dores
13 de julho de 2014 – Padre Daniel Pinheiro

 

ÁUDIO: Sermão para a Bênção da Capela Nossa Senhora das Dores 13.07.2014

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém. Ave-Maria…

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Alguns avisos:

Gostaria de agradecer a Deus pela bênção dessa Capela de Nossa Senhora das Dores. Gostaria, também, de agradecer a Dom José Aparecido, pela bondade em realizar essa cerimônia e em toda a ajuda que nos presta com muita caridade. Agradecer igualmente a Dom Sérgio da Rocha, nosso Arcebispo, pela grande benevolência, desde o primeiro momento, e ao Cardeal Dom José Falcão pelo apoio e amizade. Agradeço ao Padre Godwin, administrador paroquial da Paróquia Santa Clara e São Francisco, e responsável do setor pela solicitude. E também ao Padre João Batista, da Diocese de Anápolis pela presença e amizade. Mais uma vez, não podemos também deixar de agradecer as Irmãs de Santa Marcelina, pela grande generosidade em nos ceder a Capela durante quase dois anos.

Lembro a todos que hoje, por feliz disposição da providência, é também o primeiro aniversário de episcopado de Dom José. Gostaria de lhe assegurar, Excelência, das orações de todos nós pelo seu episcopado.

Para festejar esse aniversário e a bênção da Capela, teremos uma confraternização após a Santa Missa.

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Caros irmãos, a bênção de uma Igreja, embora não seja tão exaustiva quanto a dedicação e consagração de uma Igreja, é uma cerimônia profunda, e que separa o edifício inteiramente do uso profano e faz dele verdadeiramente a Casa de Deus e Porta do Céu. É uma edificação voltada, após a Bênção, para a glória de Deus e para o bem daqueles que nela ingressarem com a intenção de louvar a Santíssima Trindade e de se voltarem para o Altíssimo.

É o Pontífice quem procede à cerimônia de Bênção da Igreja. O Pontífice representa Cristo, que orna a Igreja, sua esposa, e que a prepara para que os frutos dela sejam imaculados, para que sejam frutos de santidade. Queremos que dessa Capela saiam verdadeiramente frutos de santidade, famílias santas, vocações santas.

Consideremos um pouco, caros católicos, as cerimônias desse rito de bênção de uma igreja.

São recorrentes, na cerimônia, sobretudo nos riquíssimos Salmos, os termos de “casa do Senhor”, de “Jerusalém”, de “átrio”, de “Templo de Deus”. Continuar lendo

[Sermão] O amor ao próximo, mesmo aos pecadores e inimigos

Sermão para o 2º Domingo depois de Pentecostes

22.06.2014 – Padre Daniel Pinheiro, IBP.

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

 “Sabemos que fomos transladados da morte do pecado para a vida da graça porque amamos os nossos irmãos. Aquele que não ama, permanece na morte. Todo o que tem ódio a seu irmão é homicida.”

Nosso Senhor Jesus Cristo, durante sua vida entre os homens, e seus apóstolos, depois dEle, insistem na caridade fraterna, no amor ao próximo. É o que faz São João na Epístola de hoje. Essa caridade para com o próximo está no duplo mandamento divino de amar a Deus e ao próximo. É São João que nos diz também: “que aquele que ama a Deus, ame também seu irmão.” (I Jo 4, 21) Vejamos em que consiste essa caridade para com o próximo e vejamos que ela se estende mesmo ao pecador e ao inimigo.

Pode haver para com o próximo um amor puramente natural, em virtude de suas qualidades naturais. Esse amor natural que deseja o bem do próximo por motivos naturais não é um mal, claro, a não ser que envolva alguma desordem. Todavia, o amor que Deus nos ordena ter para com o próximo é um amor de ordem sobrenatural, muito superior ao mais perfeito amor natural. O amor sobrenatural que devemos ter é fundado no amor a Deus. Se amamos a Deus, desejamos a maior glória de Deus, isto é, desejamos que Deus seja mais conhecido, amado e servido. A maneira perfeita de Deus ser mais conhecido, amado e servido é justamente pela conversão dos homens a Deus e, sobretudo, pela salvação eterna dos homens, que, assim, poderão glorificar perfeitamente a Deus no céu. Ao amarmos verdadeiramente a Deus, amaremos necessariamente ao próximo, pois desejaremos o bem sobrenatural para o nosso próximo, que é a salvação dele, e agiremos para que ele alcance esse bem sobrenatural. Além disso, se amamos a Deus, obedecemos aos seus preceitos, entre os quais está, justamente, o de amar ao próximo. A razão de amar o próximo é Deus. Devemos amar ao próximo para que ele esteja em Deus (IIa IIae, q. 25, a.1).

O nosso próximo e o nosso irmão não devem ser entendidos como próximo fisicamente ou como irmão natural, é claro. Essa proximidade deriva do fato de sermos criados à imagem de Deus e pela possibilidade de alcançarmos a bem-aventurança eterna. (IIa IIae, q. 44, a. 7). Nosso próximo são todas as criaturas de Deus capazes de alcançar a bem-aventurança eterna. Nosso próximo são todos os homens que estão na terra, incluindo os maiores pecadores e nossos inimigos. Nosso próximo são também os bem-aventurados no céu e as almas do purgatório. Não são nosso próximo os que já estão condenados no inferno, pois são inimigos definitivos de Deus e incapazes da glória eterna. Já não é possível amá-los em Deus, pois eles rejeitaram definitivamente a Deus. Portanto, devemos amar com caridade todos aqueles que são capazes da glória eterna ou que já possuem essa glória eterna. Quanto aos primeiros, devemos desejar que cheguem à glória eterna e devemos cooperar para que a alcancem. Quanto aos outros, devemos nos alegrar pelo fato de já terem alcançado a glória eterna.

Como dissemos, o preceito de caridade se estende a todos os homens capazes de alcançar o céu. Ele se estende, então, mesmo aos pecadores e aos inimigos. É fácil amar quem é bom ou quem nos faz o bem, mas se estamos realmente no amor de Deus, amaremos também os maus e os inimigos. Dada a particular dificuldade de se amar o pecador e o inimigo, consideremos como deve ser o amor por essas duas classes de pessoas.

O preceito da caridade se estende ao pecador. O homem pecador – e falamos aqui mais propriamente daquele que se encontra em pecado mortal – enquanto pecador é mais digno de ódio do que de amor, já que, enquanto permanece nesse estado, é desagradável a Deus. Assim, se quisermos ser precisos não podemos dizer que devemos amar as pessoas como elas são. Não devemos amar um pecador como pecador, mas como capaz de se converter, de recobrar a amizade com Deus. O pecador, enquanto criatura humana, capaz ainda da bem-aventurança eterna pelo arrependimento de seus pecados deve ser amado com caridade. E, justamente, o maior amor e serviço que podemos prestar a esse nosso próximo é ajudá-lo a sair de sua triste e miserável situação. É, então, nosso dever amar os pecadores, mesmo os mais obstinados.

Não é lícito jamais desejar ao pecador um verdadeiro mal, como seria desejar que cometa um pecado ou que se condene. Desejar tais coisas seria o pecado do ódio, gravíssimo e diretamente oposto ao da caridade. É lícito, porém, desejar um mal material ou um mal físico para que desse mal venha um bem superior, como seria o bem da conversão da pessoa ou o bem da cessação de um escândalo que ela causa com suas ações. Mas a intenção não pode ser simplesmente que ocorra esse mal físico ou material por ódio à pessoa, mas em vista do bem dela ou da sociedade como um todo, sempre desejando também a salvação dela. Todavia, é preciso ter muito cuidado com isso, pois facilmente nossas boas intenções são deixadas de lado e pensamos exclusivamente no mal ao próximo.

O preceito da caridade se estende também aos inimigos. Inimigos são aqueles que nos fizeram um mal e que ainda não o repararam. Inimigos são aqueles que nos odeiam ou que são dignos de justa antipatia por um motivo racional, como por seus escândalos, seus maus exemplos, etc. Devemos amar mesmo aqueles que nos fizeram mal ou que nos odeiam. Não devemos amá-los porque são nossos inimigos, mas apesar disso. Devemos amá-los enquanto foram criados para conhecer, amar e servir a Deus. Devemos ter para com eles verdadeira caridade, desejando-lhes o céu e cooperando para que cheguem até lá, se temos a oportunidade para isso. Amar os inimigos não é ter por eles simpatia ou um algo sentimental, mas desejar-lhes o bem, rezar por eles e fazer-lhes o bem quando possível e necessário. É o que diz Nosso Senhor no Sermão da Montanha: “Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos [maltratam e] perseguem. Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois Ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos” (Mat. 5, 43-45).

O amor aos inimigos prescreve que se dê a eles os sinais comuns de amizade e de educação. Assim, é preciso responder a uma saudação cordial feita pelo inimigo, é preciso responder a perguntas normais que ele pode fazer. Enfim, somos obrigados a nos comportar com os inimigos como faríamos com uma pessoa desconhecida. Negar esses sinais comuns de educação equivaleria a manifestar ódio e levaria ao escândalo dos demais. A caridade para com o inimigo nos proíbe de excluí-lo de nossas orações. Se disséssemos, rezo por todo mundo menos por tal pessoa que é minha inimiga, estaríamos cometendo um pecado grave. Os sinais especiais de afeto ou amizade não são obrigatórios, a não ser que as circunstâncias o exijam. Se nosso inimigo está em grave necessidade da qual só pode sair com nosso auxílio, devemos ajudá-lo. O preceito de amar o próximo obriga a procurar a reconciliação assim que possível. Interiormente, o ofendido deve estar pronto para perdoar prontamente, sem guardar rancor nem ódio. Exteriormente, não se pode negar o sincero pedido de perdão feito pelo ofensor. É preciso perdoar, ainda que posteriormente não se restabeleça uma harmonia perfeita entre as partes.

O amor aos inimigos nos obriga a deixar de lado todo ódio e todo desejo de vingança. O ódio é desejar que o inimigo peque ou que se condene, ou desejar-lhe o mal pelo mal. A vingança pecaminosa é aquela pela qual se deseja a punição do próximo simplesmente para lhe fazer mal. Se essa punição fosse desejada para emendar o próximo, para coibir o mal que ele faz, ou para restabelecer a justiça ultrajada, não haveria problema, mas sempre com muito cuidado para guardar a reta intenção nesses desejos.

A vida cristã no trato com o próximo se resume a esse preceito de caridade. Amar ao próximo por amor a Deus. Amar ao próximo desejando-lhe a virtude e a glória eterna, e ajudando-o a alcançar a virtude e o céu. Deixar de lado todo ódio, pecado gravíssimo, que se opõe à caridade e que se opõe a Deus, pois o ódio nos leva a desejar que o próximo ofenda a Deus, nos leva a desejar ao próximo um mal contra a vontade de Deus. O ódio mata o próximo em nossa alma. Nos torna homicidas e leva a atos externos contra o próximo. Não estamos falando aqui de um sentimento passageiro de aversão ao próximo que pode surgir em nossa alma e que combatemos, mas do desejo de mal ao próximo realmente alimentado e que não é afastado. Esse é o pecado de ódio, gravíssimo. O cristão vive da caridade. Não dessa caridade sentimental ou que aceita o pecado, mas da caridade que está na vontade e que favorece a virtude. Nós, católicos, devemos sempre pagar o mal com o bem, como nos diz São Paulo. Por maior que tenha sido o mal que alguém nos fez, devemos amá-lo sobrenaturalmente. E nessa caridade perfeita nos distinguiremos dos pagãos, do mundo, e chegaremos ao céu.

Em nome do Pai, e do Filho, e do espírito Santo. Amém.

 

[Sermão] A Santíssima Trindade e nossa vida espiritual

Sermão para a Festa da Santíssima Trindade

15.06.2014 – Pe. Daniel Pinheiro, IBP.

 

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

                “Que ressoe na boca de todos a glória do louvor ao Pai, e ao Filho que Ele gerou; e que ao Espírito Santo se dê igualmente um louvor perene.” (Antífona de Vésperas).

A Santa Igreja, após reviver a vida de Nosso Senhor, do seu nascimento à sua ascensão aos céus, e depois de festejar a descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos e Nossa Senhora no Cenáculo em Jerusalém, coloca diante de nós o mistério da Santíssima Trindade. Trata-se, junto com o mistério da encarnação e da redenção, de verdade importantíssima de nossa religião. Todavia, com a liturgia de hoje, não se trata simplesmente de se considerar abstratamente o dogma da Santíssima Trindade. Trata-se também de enxergar a ação da Santíssima Trindade em toda a nossa vida.

Relembremos, em primeiro lugar, o que conhecemos da Santíssima Trindade. Que existe um só Deus em três pessoas é uma verdade que não poderíamos jamais conhecer pela força de nossa razão. A existência de Deus e muitas de suas perfeições podem ser conhecidas pela razão humana sem o auxílio da Revelação. Assim, alguns filósofos da antiguidade chegaram à verdade da existência de Deus e de suas perfeições. Todavia, que Deus seja um em três Pessoas, não poderíamos jamais conhecer pela nossa razão. Em Deus, há uma só natureza, uma só substância em três pessoas. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são iguais em tudo: são igualmente eternos, igualmente onipotentes, igualmente oniscientes. Eles são um só Deus e não três Deuses. A única coisa que distingue as três pessoas é que o Pai não procede de nenhum outro, enquanto o Filho é gerado desde toda a eternidade pelo Pai que se conhece perfeitamente, e o Espírito Santo procede do Pai e do Filho pelo amor mútuo entre eles. O Pai não é anterior nem superior ao Filho. O Pai e o Filho não são nem anteriores nem superiores ao Espírito Santo. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são um só Deus em Três Pessoas. É bom lembrar que estamos aqui diante de um mistério, que ultrapassa nosso entendimento, embora não o contradiga. Nunca poderemos compreender perfeitamente como em um só Deus existem Três Pessoas, mas com o estudo da teologia, com a aplicação da nossa razão ao que Deus nos falou, podemos ver que não existe contradição entre a unidade e a trindade em Deus. Poderíamos fazer algumas comparações – certamente imperfeitas, claro – que podem nos ajudar a entender essa unidade na trindade. Por exemplo, em cada ser nós temos um ser, mas temos três dimensões: largura, comprimento, profundidade. Na música, o acorde perfeito é um, mas formado por três notas: a tônica, a terça e a quinta. Eis, então, resumidamente, o que conhecemos da Santíssima Trindade.

Vejamos, agora, a ação da Santíssima Trindade sobre nós, começando pela nossa criação. Deus, na sua vida íntima, conhece a Verdade e o Bem. Essa Verdade que Deus conhece e esse Bem que Ele ama só pode ser Ele mesmo, pois Ele é a Verdade Primeira e o Bem Supremo. A Santíssima Trindade é perfeitamente feliz, não precisando de nada além de si mesma para completar essa felicidade. Todavia, a Santíssima Trindade, na sua bondade infinita e na sua liberalidade infinita, quis que outros seres participassem de algum modo de sua própria vida, de sua felicidade. Assim, a Santíssima Trindade nos criou, para nos dar a possibilidade de sermos participantes da vida dela, já aqui na terra pela fé e pela caridade, mas, sobretudo, no céu, com a visão face a face dela. Quando recitamos o Credo, atribuímos a criação a Deus Pai, pois se atribui a onipotência a Deus Pai, como se atribui a sabedoria a Deus Filho e a bondade ao Espírito Santo, embora as três Pessoas tenham igual onipotência, igual sabedoria e igual bondade. Atribuímos a criação a Deus Pai, mas foi a Santíssima Trindade que nos criou e que criou – e cria – todas as coisas. A Santíssima Trindade está presente em nossas vidas desde o primeiro momento de nossa vida natural. É ela quem nos dá essa vida.

Mais importante e sublime do que isso, no entanto, é o fato de que é a Santíssima Trindade que nos dá a vida sobrenatural no batismo. Nós somos batizados em Nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. É por obra da Santíssima Trindade – em virtude dos méritos de Cristo, Deus Filho encarnado – que somos gerados para a vida da graça, para a vida de união com Deus, para a vida de amizade com Deus. Pelo batismo, nos tornamos Filhos adotivos de Deus Pai, nos tornamos irmãos de Nosso Senhor Jesus Cristo e nos tornamos Templos do Espírito Santo. Na medida em que permanecemos fiéis às promessas feitas no batismo, promessas de fidelidade a Cristo e à Sua Igreja e de rejeição ao demônio e ao pecado, a Santíssima Trindade faz em nossa alma a sua morada pela graça santificante. Nosso Senhor mesmo o diz: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará e nós viremos a ele e faremos nele morada.” (Jo XIV, 6).

A Santíssima Trindade nos gera para a vida sobrenatural e nos mostra claramente o caminho da salvação no Evangelho. Esse caminho é Nosso Senhor Jesus Cristo. No Batismo de Cristo no Jordão, Deus Pai nos diz que todo seu amor está em Jesus Cristo e o Espírito Santo sob a forma de pomba lá está para confirmar o que é dito. Se queremos, então, ser amados por Deus eternamente, devemos estar unidos a Cristo. Na Transfiguração, Deus Pai diz que Nosso Senhor é seu Filho e que devemos ouvi-lo. E, novamente, lá está o Espírito Santo para confirmar o que é dito, dessa vez sob a aparência de nuvem. Se queremos nos salvar, devemos ouvir o que nos diz Nosso Senhor Jesus Cristo.

A Santíssima Trindade está conosco desde o início de nossa vida natural e de nossa vida sobrenatural. Devemos invocar a Santíssima Trindade em todos os nossos atos, sobretudo aqueles que se referem mais diretamente a Deus. Se vamos começar os estudos, façamos ao menos o sinal da Cruz. Se vamos começar o trabalho, façamos ao menos o sinal da cruz. Devemos procurar começar nossas ações com o sinal da Cruz, tão bom resumo de nossa religião: no sinal da Cruz está contido o mistério da Encarnação e da Redenção pelo gesto, e o mistério da Unidade e Trindade em Deus pelas palavras.

Se é o Deus Uno e Trino que nos dá tudo o que somos e temos, se é a Santíssima Trindade que nos governa com bondade e sabedoria, ela é também o objeto primário do culto, da liturgia.. A santa Missa é oferecida à Santíssima Trindade. Na Missa Tradicional, isso é muito claro. No ofertório, após o Lavabo, o padre recita: “Recebei, ó Santíssima Trindade, essa oblação que vos oferecemos…” Antes da bênção, o padre diz: “que vos seja agradável, Trindade Santa, a homenagem deste vosso servo…” As orações da Igreja se concluem com uma referência à Santíssima Trindade. Na recitação do Breviário pelo padre, todos os salmos se concluem com o “Glória ao Pai”. Na Santa Missa, o primeiro gesto do Padre é o sinal da Cruz, profissão de fé na Santíssima Trindade.

É a liturgia que nos ensina, então, o primeiro de nossos deveres para com a Santíssima Trindade: adorá-la, como os anjos que cantam no céu dizendo “Sanctus, Sanctus, Sanctus” em homenagem à Santíssima Trindade. Devemos prestar o mesmo culto de latria às três pessoas da Santíssima Trindade. O segundo de nossos deveres é a gratidão para com a Santíssima Trindade, que nos criou e fez de nós filhos adotivos de Deus pelo batismo. O terceiro de nossos deveres é procurar reproduzir em nós a imagem da Santíssima Trindade: buscando ser santo como ela é Santa, conformando nossa vontade à dela, conservando entre nós uma união baseada em Deus. Ninguém mais do que Nossa Senhora reproduziu tão bem em sua alma a imagem da Santíssima Trindade. Peçamos a ajuda dela, caros católicos, para honrar e imitar a Santíssima Trindade.

“Bendita seja a Santíssima Trindade e a indivisível unidade. Louvemo-la porque fez conosco a sua misericórdia.”

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.